Capítulo 15
A Vingança Serve-se Fria
Na manhã seguinte, quando acordei, um sorriso desenhou-se nos meus lábios. Sentia-me muito melhor. Não tivera mais nenhum problema. Segundos depois, o despertador de Niza começou a tocar e eu estiquei o braço para carregar no botão do silêncio. Depois levantei-me e dirigi-me à casa de banho. Ia começar mais um dia na minha rotina.
Quando fiquei pronta, esperei que Niza e Sophie se arranjassem e seguimos juntas para o refeitório. Ryan, Peter e Chris já lá estavam. Dirigi ao meu melhor amigo um sorriso rasgado, que ele retribuiu na medida exacta. Fomos sentar-nos com eles, e Chris pôs o braço em volta dos meus ombros, beijando-me docemente.
- Bom-dia. - Disse-lhe.
Ele sorriu-me e fundiu o olhar no meu, com uma intensidade tal que eu soube que ele tentava entender-me no mais profundo do meu ser. Deixei que ele tirasse as suas dúvidas e depois Chris tornou a beijar-me, ao ver que estava tudo bem, que eu não estava preocupada com nada.
Nesse momento, Meredith - a rapariga que andava sempre com Kalissa, como se fosse a sombra dela - aproximou-se de nós. Separei os lábios dos de Chris e olhei para ela, espantada por a ver ali. Sophie crispou as mãos em punhos e semicerrou os olhos com raiva. Ryan teve de segurá-la e impedi-la de começar a gritar com Meredith, que parecia estar a ignorar todos os meus amigos, mantendo o olhar deslavado bem fixo no meu.
- Kiara… posso falar contigo?
Engoli em seco, sem saber o que fazer. O que é que ela teria para me dizer que não pudesse esperar?
- Diz. - Respondi, sentindo-me desconfortável.
- Hoje temos treino extra da Claque. Já que a Kalissa não está, podias ter a gentileza de vir treinar connosco? - Perguntou ela, com o sarcasmo bem presente na sua voz emproada.
- Bem… eu acho que não haverá problema… a que horas é o treino?
- À hora de almoço.
- Está bem, eu vou.
- OK. Então até logo.
Deu meia-volta e foi-se embora. Revirei os olhos e levantei-me, antes que Niza ou Sophie pudessem disparar as acusações - como eu bem podia ver esse desejo nos seus olhos semicerrados.
- Vou buscar o pequeno-almoço.
- Eu vou contigo. - Disse Ryan.
Seguimos até à mesa do buffet e eu peguei num prato, começando a servir-me das minhas panquecas com chocolate quente. Ryan mantinha-se próximo de mim para não ter de falar muito alto.
- Vais mesmo treinar com elas?
- Vou.
- Porquê?
- Porque não quero arranjar mais problemas com a Kalissa. Ela vai ficar furiosa se eu continuar a cortar-lhe todos os planos. A Claque é muito importante para ela, e se eu não for aos treinos ela é despromovida e arranja uma maneira de vos magoar. Eu até consigo imaginar uma delas.
Ryan pousou-me a mão no ombro, silenciando-me.
- Tem calma. Estás a entrar em paranóia.
- Não, não estou! Achas que me posso dar ao luxo de a irritar? Tu não compreendes…
- Kiara… eu apenas acho que não tens de ter medo dela.
- Ai não?
Às vezes, Ryan parecia não conseguir entender a maldade de Kalissa, a capacidade dela para me prejudicar e às pessoas que eu amava. Baixei o rosto, sentindo-me desesperada.
- OK. Vai ao treino. Precisas de descarregar energias. Não te pode fazer mal, certo? - Disse ele, encolhendo os ombros.
- Não.
Voltámos para a mesa e comecei a comer. Tinha de manter-me calma porque as aulas iam requerer a minha atenção. Ryan embrenhou-se na conversa de Chris e Peter e fingiu que não sabia o que se passava comigo. Nesse momento, Brand passou pelas portas de entrada do salão de refeições, ladeado por Allan e Drake como se eles fossem os seus guarda-costas, e olhou fixamente para mim, levando-me a corar imenso. Desviei o olhar e respirei fundo para me acalmar.
Ele não facilitava nada as coisas. Se ao menos soubesse tudo o que eu andava a passar por sua causa, deixaria de agir daquela maneira. Só o facto de olhar para mim daquela maneira me fazia rever os pesadelos que tivera com ele, o que não era nada bom.
- Kiara? Não acabas de comer?
A voz de Niza despertou-me para a realidade e assenti com a cabeça, levando um bocado de panqueca à boca. Depois de acabar o pequeno-almoço, segui com eles para a aula de Espanhol.
Nessa noite, depois do jantar, sentei-me com o meu grupo na Sala de Convívio, como habitualmente. Estava a passar uma comédia romântica na televisão e claro que Niza e Sophie queriam ver. E embora eu tenha ficado sentada junto a Chris, abraçada a ele durante todo o filme, não consegui prestar atenção ao que decorria no televisor por um só segundo. Ryan cravou o olhar no meu a certa altura, parecendo preocupado.
- Estou bem. - Murmurei muito baixinho, e só ele me ouviu porque até Peter e Chris tinham os olhos fixos na televisão.
- De certeza?
- Sim.
- Ainda bem… olha, para o caso de ainda não saberes, a Sophie faz anos este Domingo.
O meu queixo descaiu-se de surpresa, de choque. O quê?!
- Não posso acreditar…
- É mesmo. E eu precisava da tua ajuda para escolher a prenda.
- Ryan, eu nem sei o que lhe vou dar, como é que queres que arranje ideias para o que tu lhe vais dar?! - Sussurrei, aflita.
- Tem calma, ainda temos algum tempo.
- Olha Kia, ele vai contar tudo ao inimigo! - Chamou Chris, levando-me a desviar o olhar de Ryan, que também se concentrou no filme.
Agora eu tinha mais um problema (para juntar à lista que parecia infinita de problemas na minha cabeça): o que dar à Sophie como prenda de aniversário.
Suspirei e fechei os olhos, desejando poder dormir durante cinco séculos seguidos e só acordar quando todos os equívocos e preocupações tivessem, simplesmente, desaparecido.
A semana terminou mais depressa do que parecia ser possível. Os relógios pareciam estar a gozar comigo: quanto mais tempo precisava para pensar no presente de Sophie, mais depressa os minutos e as horas passavam. Felizmente, Niza já tinha tudo planeado.
Na sexta-feira, antes do jantar e quando Sophie estava a tomar banho, Niza reparou que eu estava mais agitada que o habitual.
- O que é que se passa? - Perguntou.
- Estou preocupada com a Sophie, ou melhor, com o aniversário dela.
- Porquê?
- Não tenho nada para lhe dar! - Revelei, tristemente.
Niza sorriu de orelha a orelha.
- E tu tens um plano, claro! - Sorri, sentindo-me muito mais aliviada.
- Sim! Eu vou amanhã à tarde com o Peter ao centro comercial. Dissemos a toda a gente que vamos ao cinema porque até está lá um filme fixe e tudo. Mas não: nós vamos comprar os presentes da Sophie.
- Oh boa… ela nem vai desconfiar nem nada!
- Claro que não. Queres vir connosco?
- Não me dava muito jeito. Assim ela vai achar estranho, se fôssemos todos sem a levarmos connosco!
- Pois, tens toda a razão… - Niza ficou pensativa por momentos mas de seguida o seu rosto iluminou-se com uma ideia genial. - OK, então fazemos assim, dás-me o dinheiro e dizes-me o que queres que compre e eu vou lá e trago-te o presente, pode ser?
- Sim, dava muito jeito!
- Então está combinado. - Sorriu ela, muito orgulhosa de ter o mérito da ideia que salvaria o dia mais especial da nossa amiga.
Continuei a vestir-me para o jantar enquanto Niza tagarelava sobre a prenda que lhe ia dar: um conjunto de maquilhagem que ela tinha visto numa montra e tinha adorado.
- Tu roubas todas as ideias boas! - Respondi.
- Não tenho culpa de ser uma mente brilhante! - Riu-se ela, encolhendo os ombros e apertando os atacadores dos ténis.
Passados poucos segundos Sophie entrou no quarto e eu e Niza tivemos de improvisar para ela não desconfiar.
- Sabes aquele actor do último filme que vimos? Aquele que fazia de vilão? Ele anda com uma loura que nem é famosa! - Inventou Niza.
Ela era óptima a improvisar. Contive a gargalhada ao ver que Sophie nem se interessara pelo rumor. Acabei de colocar os brincos e Niza piscou-me o olho sorrateiramente.
- Vou ter com os rapazes. Até já! - Despedi-me delas e saí do quarto.
Atravessei os corredores e subi as escadas que me separavam dos aposentos do meu padrinho. Ainda queria ir falar com ele antes do jantar e esperava que ele estivesse no escritório. Quando bati à porta, ouvi a voz dele a dar-me ordem de entrada.
Passei pela porta e dirigi-me a ele. Estava sentado no seu grande cadeirão, a ler um documento qualquer. Sorriu-me quando eu me sentei na cadeira do costume.
- Olá Kiara!
- Olá.
- Estás bem?
- Estou. Esteja descansado, não vim cá por causa da Kalissa.
- Ah, ainda bem. Sendo assim, o que te trouxe cá?
- Eu queria pedir-lhe uma coisa. - Cheguei-me mais para a frente. - Uma vez que os meus bens estão na sua posse eu… precisava de algum dinheiro para comprar o presente de aniversário da minha amiga Sophie. Ela faz anos no Domingo.
- Hum… estou a ver… importas-te que te dê o dinheiro amanhã? Não o tenho aqui comigo mas prometo que amanhã já estará tudo pronto.
- Não há problema. Obrigada John…
- Não te preocupes. Então e… estás a pensar sair do castelo?
- Não! A Niza é que vai ao centro comercial e aproveita e compra a minha prenda, assim não tenho de sair daqui.
- É uma óptima ideia. - Sorriu ele, mais descansado.
- Mais uma vez obrigada. Agora vou andando, estou a morrer de fome.
- Sim, vai comer. O dia correu bem, certo?
- Sim. Andei preocupada com o presente da Sophie, mas fora isso correu tudo bem. Hoje só tomei droga uma vez, de manhã, e até agora estou a aguentar-me.
- Não forces de mais.
- Sim, eu sei.
- Ainda bem. Agora vai jantar. Até amanhã.
- Até amanhã John.
Saí do seu escritório e lancei-me a correr pelas escadas abaixo. O meu estômago contorcia-se de fome. Quando passei pelas portas de entrada do refeitório, o cheiro da comida chegou-me ao nariz e fez-me crescer água na boca. Aproximei-me do lugar onde Chris, Ryan e Peter estavam sentados e sorri-lhes alegremente.
- Está tudo bem? - Perguntei.
- Sim, claro.
- Kiara, a Niza falou contigo? Amanhã vamos comprar a prenda da Sophie. - Explicou Peter.
- Sim, eu já sei. Ela vai levar o meu dinheiro para comprar a minha. Assim não tenho de sair do colégio. O meu padrinho não gosta nada disso, como vocês sabem…
Ryan assentiu com a cabeça e Chris levantou-se, aproximando-se de mim e beijando-me calorosamente.
- Vamos comer, estou cheia de fome. - Disse, quando ele separou os lábios dos meus.
Seguimos até à mesa e eu servi-me do jantar. Depois voltámos para junto de Ryan e Peter e começámos a comer, já que Niza e Sophie nunca mais chegavam. Ryan estava de tal maneira entusiasmado com o aniversário da namorada que não parecia ser capaz de pensar em mais nada.
E eu esperava que corresse tudo bem. Não queria mais problemas à mistura. As minhas amigas chegaram pouco depois, foram buscar a sua comida e sentaram-se connosco. E o tema do aniversário de Sophie foi completamente encerrado. A ideia de Ryan era levar Sophie a pensar que nos tínhamos esquecido do dia de anos dela, para depois lhe pregarmos uma grande surpresa.
Sábado passou lentamente. Niza e Peter partiram para "ir ao cinema" logo depois do almoço, e como me cabia a função de manter Sophie distraída para não começar a desconfiar da saída dos dois amigos, passámos o dia todo a estudar. Eu não me lembrei de nada melhor, e Ryan e Chris juntaram-se a nós duas, pelo que ficámos a tarde toda enfiados na Sala de Convívio a estudar e a resolver exercícios.
Niza e Peter chegaram pouco tempo antes do jantar, mas só vieram ter connosco depois de terem escondido os presentes no quarto dos rapazes, no armário de Chris, onde Sophie não iria coscuvilhar. Depois vieram chamar-nos e fomos comer.
- Correu bem? - Segredei ao ouvido de Niza, quando Sophie não estava a ouvir.
- Sim, muito! Arranjámos tudo o que queríamos.
- Óptimo. Ela não desconfia de nada.
- Isto vai ser mesmo perfeito!
E durante o resto do serão, só falámos em coisas normais do dia-a-dia. Quando nos fomos sentar na Sala de Convívio, eu reparei finalmente que Sophie estava a ficar abatida. E apesar de todos sabermos a razão para o seu olhar tristonho, eu fiz-me de inocente e fui sentar-me ao seu lado.
- O que se passa? - Perguntei.
- Nada…
- Pareces triste.
- Não, é apenas uma dor de cabeça muito grande. Acho que preciso de tomar um comprimido qualquer.
E depois apercebeu-se do que tinha dito e desatámos as duas a rir à gargalhada. Só mesmo Sophie para dizer as coisas da boca para fora sem pensar minimamente. Mas eu não levei a mal. Enquanto ela se recostava nos braços de Ryan, eu olhei para Niza e pisquei-lhe o olho.
Sophie achava que nós nos tínhamos esquecido dos anos dela. Fantástico: assim a surpresa ia ser muito maior.
Fiquei com eles a ver a série que passava na televisão, e pela primeira vez nessa semana, não pensei nos pesadelos nem em Brand nem em nada de mau. Senti-me bem por estar com o meu grupo, a poucas horas de uma festa. Sim, porque festa não é festa sem ter Sophie à mistura!
Voltei-me na cama, enquanto despertava, e depois abri os olhos. Tive de pestanejar para os adaptar à escuridão que envolvia o quarto. Depois sentei-me melhor na cama, passando a mão pelo cabelo e observando Niza e Sophie a dormir nas suas camas.
Depois a dor de cabeça atingiu-me em força.
Voltei a deitar-me para trás, enquanto fechava os olhos e me esforçava por recordar o último dia em que estivera a controlar o meu corpo. Tinha sido dia 2 de Janeiro. E algo dentro de mim me alertava para o facto de ter passado muito tempo. Suspirei e levantei-me sem fazer barulho. Peguei no telemóvel de Kiara, que estava em cima da mesa-de-cabeceira, e vi o horário. Eram dez da manhã e havia um lembrete a piscar no visor "aniversário da Sophie!". Aahh… então era isso…
Uma ideia formou-se na minha cabeça, tão depressa que me causou algum espanto, e depois tive uma enorme vontade de rir mas consegui controlar-me. Tudo estava a meu favor.
Tinha chegado a hora de me vingar de Sophie, e eu sabia a maneira ideal para fazer isso.
Pousei o telemóvel de novo no lugar e levantei-me. Fui à secretária lá do quarto, onde eu sabia estar escondida a caixa com a droga que o padrinho de Kiara lhe tinha arranjado, e tirei-a para fora, pegando em quatro comprimidos e tomando-os com água. Depois olhei para Sophie, a dormir pacificamente na sua cama, como uma criança pequenina. Um sorriso desenhou-se nos meus lábios. Ela podia aproveitar bem as últimas horas de felicidade. Porque quando eu começasse a pôr o meu plano em prática, ela ia sair destroçada. Pousei o copo de água em cima da secretária, inspirei fundo para me preparar e lancei-me para cima da cama dela, gritando "Parabéns!" o mais alto que pude. Sophie gritou também com o susto, mas depois apercebeu-se do que eu estava a fazer e desatou a rir. Ela não desconfiava de nada.
- Bom-dia! - Desejei-lhe, abraçando-me a ela.
- Obrigada! Eu pensava que se tinham esquecido!
Niza juntou-se a mim no abraço apertado que demos à Sophie. Quando nos largámos, ela tinha os olhos marejados de lágrimas. Só que infelizmente eram lágrimas de alegria.
- Tu achas mesmo que nos esqueceríamos do teu dia de anos, tontinha? - Riu-se Niza.
- É que não vos vi a preparar nada durante toda a semana…
- Isso não quer dizer nada, nós já tínhamos tudo planeado! - Menti.
Ou se calhar até era verdade, eles podiam ter andando a esconder aquilo dela. Mas fosse como fosse, o meu plano ia resultar.
- Eu vou buscar os presentes! - Disse Niza, levantando-se muito depressa e enfiando os chinelos nos pés antes de desatar a correr para fora do quarto.
- E têm presentes e tudo! - Sorriu Sophie, corando imenso.
- Claro, achas que deixávamos passar o dia sem te darmos mimos? Claro que não! - Respondi.
Ela dirigiu-me um sorriso rasgado. E esforcei-me ao máximo para não deixar cair a máscara. Apetecia-me bater-lhe tanto, partir-lhe aquela boca, arrancar-lhe os cabelos da cabeça.
- Estás feliz? - Perguntei.
- Estou, mesmo a sério!
- E tens sorte em fazer anos num Domingo. Imagina que calhava num dia de semana?! Não ia dar para fazer tudo o que temos planeado.
- O quê? Ainda há mais?
- Podes crer que sim!
- Não era preciso…
- Sophie, tu também fazes tudo por nós. É justo que retribuamos o favor, não te parece?
Ela sorriu e corou mais ainda. Levantou-se e encaminhou-se para o seu roupeiro, abrindo-o e colocando as mãos nas ancas enquanto decidia o que usar nesse dia.
- Posso dar uma sugestão? - Perguntei.
- Claro!
- Usa aquelas calças de ganga, e a camisola preta. Essa, sim.
Ela tirou a roupa para fora e estava a preparar-se para escolher os brincos que usaria nesse dia quando Niza, Peter, Ryan e Chris entraram pelo quarto nesse instante, a gritar os parabéns bem alto, fazendo com que Sophie ficasse de queixo caído.
Ryan abraçou-a, rodopiando com ela nos seus braços, e beijou-a entusiasticamente. Eu desviei o olhar, dirigindo-o para Chris. Ele piscou-me o olho e eu decidi que já que tinha de imitar Kiara, mais valia agir como ela.
Aquela era uma verdadeira prova de fogo. Seria Chris capaz de nos distinguir? Caminhei até ele e tal como eu tinha pensado, ele beijou-me sem hesitar, sem sequer pôr a hipótese de que eu não fosse a sua namorada. Parvo.
- Vem Sophie, estão aqui os presentes! - Disse Niza, pegando na mão da amiga e puxando-a consigo até à cama, onde estavam os vários embrulhos.
Sophie só conseguia sorrir como uma maluca enquanto pegava em cada presente e o desembrulhava. Eu não consegui prestar atenção a nada. Precisava de compor todos os factores a meu favor. Precisava de arranjar uma maneira de…
- Oh Kiara obrigada, são tão lindas! - Gritou Sophie.
E sem que eu estivesse à espera, ela lançou os braços em volta do meu pescoço e abraçou-me com força. Deitei um breve olhar ao que ela tinha na mão: era um par de botas de camurça. Eu quis rir-me da ironia. Como é que Kiara tivera gosto suficiente para escolher algo assim? Até nem eram muito feias, apesar de eu ter a certeza que nunca as usaria.
- Mas quando é que compraram os presentes? Estiveram sempre comigo! - Disse Sophie, desconfiada.
- A Niza e o Peter levaram o dinheiro de todos e foram comprar as prendas ontem. Pensaste que eles tinham ido ao cinema, não era?
- Sim! Vocês até foram capazes de me descrever o filme e tudo! - Os olhos dela arregalaram-se de espanto.
Ao menos aquele bando de escumalha conseguia arranjar um plano de jeito e tinham sido capazes de fazer tudo às escondidas de Sophie. Claro que os planos deles nunca se comparariam aos meus, mas eu tinha de confessar que daquela vez tinham estado bem.
Sophie continuou a abrir os presentes e no fim apertou-nos a todos num abraço muito estreitado - eu sempre odiei estes abraços de grupo, são tão… infantis - e depois recuou, a rir à gargalhada com tanta alegria que me causava uma raiva tremenda.
- Vamos Chris, Peter, Ryan, saiam do quarto, ela tem de se vestir! - Disse Niza, puxando Peter pelo braço.
Depois de os rapazes terem saído, Sophie trocou de roupa e calçou as botas que eu lhe tinha comprado. Até lhe ficavam bem.
Eu e Niza também trocámos de roupa, enquanto Sophie desfilava diante do espelho, observando as botas novas de todos os ângulos possíveis. Quando ficámos prontas seguimos para o refeitório. Elas não paravam de tagarelar sobre os presentes. Assim que passámos pelas portas do salão de refeições, eu percorri a divisão com o olhar e deparei-me com os olhos de Brand cravados em mim. Tive uma enorme vontade de correr para os braços dele, mas consegui controlar-me. Nesse momento eu tinha de ficar concentrada em Kiara. Ela não estava nada fraca, eu é que esperava há muito pelo momento ideal para atacar. Agora tinha de me esforçar para que ela não me afastasse do poder. Manter a minha inimiga encurralada no poço escuro era a minha missão principal. Missão número 2: acabar com Sophie.
Brand desviou o olhar do meu, como se não suportasse fitar-me e não poder vir ter comigo. Cerrei as mãos em punhos. Se não tivesse de manter aquela farsa, já teria ido ter com ele.
- Kiara, vens buscar a comida ou não? - Perguntou Ryan.
Sorri e assenti com a cabeça, seguindo com ele até à mesa do buffet e afastando os olhos do local onde os Desportistas e o meu namorado estavam sentados. Servi-me do mesmo pequeno-almoço de sempre e voltei com o grupo dos pacóvios para a mesa.
Durante toda a refeição, Sophie esteve sempre demasiado sorridente. E eu tinha de prestar atenção à conversa deles para me conseguir manter a par de alguma novidade.
- Kiara, tu vais buscar as bebidas ao escritório do teu padrinho logo à noite, não é? - Disse Peter.
- Sim, está descansado.
- Nós pedimos-lhe que as guardasse ontem. - Respondeu Niza orgulhosamente.
- Vocês lembram-se de tudo e mais alguma coisa, realmente… são perfeitamente capazes de organizar uma festa destas sem mim! - Disse Sophie, sorridente em exagero.
- Não. É muito complicado mantermos tudo em ordem sem os teus conselhos. - Respondeu Ryan, beijando-a longo de seguida.
Apoiei o queixo na mão e baixei o olhar. Se ao menos eu pudesse sair dali… o dia ia ser um inferno, eu já sabia.
E realmente foi.
Durante toda a manha estivemos a ver televisão, a ouvir música e a fazer um torneiro de cartas na Sala de Convívio. E se há algo que eu odeio, é perder. Por isso nem me preocupei se Kiara sabia realmente jogar às cartas ou não. Jogámos raparigas contra rapazes.
- Bem Kiara, hoje estás mesmo inspirada! - Riu-se Peter.
Realmente, já tínhamos ganho dois jogos graças a mim e estávamos empatadas com os rapazes. E só não conseguíamos ganhar mais porque aquelas duas parvas não sabiam jogar nada e eu tinha de fazer o trabalho todo sozinha. Chris olhava embevecido para mim, tão babado por me ver a jogar bem que não conseguia desviar o olhar de mim. E por mais que eu quisesse pregar-lhe um estalo, continuei a sorrir e a fingir que também gostava muito dele.
Fizemos um intervalo no torneiro para o almoço, que se prolongou durante muito tempo. Houve direito a brinde e tudo. Eu ainda pensei em despejar a Coca-Cola pela cabeça de Sophie abaixo, e iria rir à gargalhada caso pudesse fazer isso, mas depois pensei que daria muito nas vistas por isso mantive-me quieta.
Não é meu hábito preocupar-me tanto com o que as outras pessoas pensam. Mas eu tinha de compor bem o meu disfarce. E se para isso tivesse de fingir todo o dia e aguentar aquelas parvoíces sem pés nem cabeça, então eu faria isso.
Porque nessa noite tudo ia mudar e a verdadeira Kalissa ia entrar em acção.
A seguir ao almoço fomos novamente jogar às cartas e vimos um filme que passava na televisão. E às quatro horas da tarde houve jogo entre as turmas do 11º e 12º ano no pavilhão coberto do colégio, pelo que fomos todos ver. O jogo durou até pouco antes do jantar, e por escassas horas pude ver-me livre da fachada de "alegria histérica" e ver o meu Brand a jogar. Ele era da equipa adversária de Chris, Peter e Ryan, felizmente. Drake e Allan também estavam na equipa de Brand, por isso eu tinha todos os meus amigos a jogar com o meu namorado, apesar de ele ser quem mais brilhava em campo. Brand tem uma força, uma velocidade e uma destreza sem igual. Move-se por entre os inimigos tão depressa que eles nem se apercebem do que está a acontecer.
Sophie e Niza não se calaram um só minuto. Gritavam e batiam palmas sem parar, sentadas ao meu lado nas bancadas. Eu queria estar junto de Meredith, Terry e Penny, a dançar na Claque, mas de certeza que Kiara ficaria ali com as amigas, pelo que não pude ir fazer o meu papel preferido: de líder.
O jogo acabou tal como eu queria: Desportistas - 12; Escumalha - 4. E nem deviam ter marcado aqueles quatro golos - ainda por cima Ryan marcou um e pôs-se a acenar para Sophie e a dedicar-lhe o golo, deixando-a toda babada - mas não houve como os evitar.
Depois de o jogo acabar os rapazes foram trocar de roupa e seguiram connosco de volta ao castelo. Fomos todos tomar banho e trocar de roupa e de seguida fomos jantar. Eu já me sentia mais entusiasmada. Estava quase na hora da minha doce vingança.
O jantar passou rápido e depois eu fui aos aposentos de John buscar as bebidas, tal como Niza me disse que fizesse. Suspirei de alívio quando eles saíram do meu campo de visão. Aquele tinha sido um dos piores dias da minha vida. Não insultara nem magoara ninguém. Meu deus, que tédio.
Bati à porta do escritório do padrinho de Kiara e ele deu-me ordem para entrar.
- Ah Kiara, as bebidas estão aqui… não façam barulho depois da uma da manhã, já sabem as regras.
- Claro John, não haverá problema. - Respondi, pegando na caixa que ele me estendia.
Ele sorriu-me e depois deixou-me ir. Voltei para o quarto de Sophie, onde decorreria a festa. Quando entrei, a música já estava ligada e eles iam-se organizando. Pousei a caixa no chão, junto ao armário de Niza, e abri-a. Lá dentro estavam várias garrafas.
- Malta, vamos lá começar com isto!
Cada um tirou a sua cerveja e depois de brindarmos, bebemos tudo de uma só vez. Entretanto, chegou a uma música que Sophie conhecia e puxou Ryan para o centro do quarto, começando a dançar com ele. E sem saber bem como, também me vi presa nos braços de Chris, que começou a rodopiar comigo, sem deixar desaparecer aquele sorriso idiota da sua cara. Esforcei-me por retribuir o sorriso e comecei a dançar melhor com ele.
Alheei-me de tudo o resto e concentrei-me em manter a parede de tijolos, dentro da minha cabeça, muito sólida. Não podia haver a mínima hipótese de Kiara se soltar nessa noite.
- Gostaste do dia? - Perguntou Chris baixinho junto ao meu ouvido.
- Sim, foi fantástico! - Menti.
- Ainda bem.
Depois pegou no meu queixo e levantou-o gentilmente, para me poder beijar. Eu quis afastá-lo mas consegui conter o impulso a tempo. Arranjei coragem e enrolei os braços em volta do pescoço dele, enquanto continuávamos a dançar. Eu não podia dar nas vistas.
E descobri que beijar Chris nem era assim tão mau quanto isso. Ele podia não saber beijar tão bem quanto Brand, mas ainda assim não era uma má sensação. Relaxei-me nos seus braços e fechei os olhos. OK… Brand não se ia passar da cabeça comigo, porque supostamente era Kiara quem estava a beijar Chris. Ele enlaçou-me pela cintura e a sua língua roçou na minha.
Depois a música mudou radicalmente e trocámos de pares. Fiquei a dançar com Peter. Hum… a sensação era diferente. Ele não era tão bom dançarino como Chris. Mas não importava. O que realmente me interessava era vingar-me de Sophie e eu sabia como fazer isso.
A noite avançava lentamente. Dancei com todos eles, bebi mais de seis cervejas - sem ficar bêbeda, apesar de Sophie, Niza, Ryan, Peter e Chris estarem completamente pedrados - e consegui manter toda a gente alegre até perto das duas da manhã.
Perto dessa altura, eu cansei-me de esperar. Pronto. Sophie já festejara mais do que devia. Separei-me de Peter e fingi estar meio tonta. Ryan, que estava a dançar com Niza nesse momento, olhou para mim.
- Acho que… preciso de apanhar um pouco de ar fresco… - Murmurei, olhando fixamente para Ryan.
Ele assentiu com a cabeça e eu saí do quarto e fechei a porta sem fazer barulho. Avancei até meio do corredor e esperei na escuridão. Sentei-me no chão, com as costas junto à parede e as pernas encolhidas para as poder rodear com os braços, e esperei pacientemente que Ryan chegasse. Eu sabia que ele viria.
Tal como eu previ, ele apareceu momentos depois. Avistou-me e aproximou-se de mim, acocorando-se à minha frente.
- Estás bem? - Perguntou, parecendo preocupado.
- Mais ou menos…
OK, estava na hora de improvisar. O que é que Kiara podia ter passado durante essas últimas semanas que constituísse uma fonte de preocupação? Ah, claro. Havia uma muito fácil: eu.
- Estou tão farta da Kalissa… já não a aguento mais…
Fingi ir desatar a chorar e tal como eu esperava, Ryan abraçou-me. Enterrei a cara no seu peito e choraminguei baixinho.
- Tem calma. O que é que aconteceu?
- Ela tentou soltar-se agora mesmo… eu não posso permitir que ela estrague a festa da Sophie! - Balbuciei.
Eu tinha o condão de chorar quando queria, por isso os meus olhos encheram-se de lágrimas. Ao vê-las, Ryan não pensou nem duas vezes que eu estivesse a mentir.
- Ela não vai conseguir. Acalma-te e vais ver como conseguimos controlá-la.
- Obrigada… e desculpa por te estar a preocupar com isto…
- Eu já te disse que não quero que me escondas nada. Quero estar aqui para te apoiar sempre que precises de mim.
- Obrigada. Às vezes se não fosse tu… eu sentia-me tão sozinha…
Cravei o meu olhar no seu o mais intensamente que consegui. Vi os olhos dele arregalarem-se de espanto e a sua boca entreabriu-se como se fosse falar, mas não chegou a dizer nada.
- Eu não posso falar destas coisas com o Chris. Não quero assustá-lo. Mas tu, Ryan… és tão forte… consegues sempre apoiar-me…
- E vou continuar a fazer isso sempre que precises de mim.
- Eu preciso de ti neste momento.
Agarrei o seu rosto entre as minhas mãos e beijei-o calorosamente. Durante os primeiros segundos Ryan não reagiu, demasiado chocado com a minha acção para me afastar, mas depois, e para minha surpresa, abraçou-me e beijou-me mais. Uau, ele estava a colaborar comigo e tudo! Enrolei as pernas em volta da cintura dele enquanto Ryan me beijava intensamente. Ele devia estar mesmo muito bêbedo para fazer aquilo. Aguentei algum tempo, enquanto esperava que Sophie ou Chris viessem procurar-nos. Enquanto isso, Ryan não parecia nada preocupado com o facto de estar a beijar a melhor amiga.
Passados menos de cinco minutos, a porta do meu quarto abriu-se e Sophie saiu. O entusiasmo crescia dentro de mim. Entrelacei os dedos no cabelo de Ryan e puxei o seu rosto mais para o meu. E nesse instante, a namorada dele chegou junto a nós. Eu olhei para ela e vi como os seus olhos se arregalavam de horror. Ela começou a recuar, enquanto abanava a cabeça em negação, parecendo ir gritar a qualquer instante. Ryan largou-me nesse instante e olhou para Sophie. Ficámos em silêncio, entreolhando-nos mutuamente, e depois ela desatou num pranto aflitivo. Ryan e e eu levantámo-nos, enquanto ele se ia apercebendo do que tinha feito e eu me controlava para não desatar a rir. Ainda tinha de fingir que era a Kiara e que estava muito envergonhada por Sophie nos ter apanhado. Sophie, que naquele momento parecia ir explodir de terror.
- Sophie… não é isso… eu posso explicar… - Gaguejou Ryan, que se aproximava lentamente dela.
- Larga-me! Não me toques! - Gritou ela, enervada e a chorar sem parar.
Recuei até à parede e deixei-me ficar lá, enquanto observava a cena deliciosa que se desenrolava diante dos meus olhos. Se fôssemos apanhados e se ela fosse castigada eu ainda ficaria mais feliz.
- Sophie, por favor, tens de me ouvir…
- Como é que me pudeste fazer isto?! COMO?!
Ryan avançava para ela enquanto Sophie recuava sem parar, a soluçar tanto que parecia ir asfixiar a qualquer instante. Isso seria a cereja no topo do bolo mas não chegou a acontecer. Chris, Peter e Niza chegaram até nós nesse instante e ficaram muito admirados com o que viram.
- O que é que se passa aqui?! - Perguntou Chris, chocado.
- PERGUNTA À TUA NAMORADINHA! - Berrou Sophie, olhando-me furiosamente.
Eu adorei ver a fúria nos seus olhos. O meu plano estava a correr na perfeição. Se ela se lançasse para cima de mim era o melhor que podia acontecer. Aí eu podia bater-lhe mais uma vez. Nada me deixaria tão feliz. Mas ainda assim, abanei a cabeça em desacordo, imitando um ar muito ofendido e ansioso. Chris olhou para mim, sem perceber nada do que estava a acontecer, e Niza abraçou Sophie, que chorava como uma criança desolada.
- O que é que lhe fizeste? - Perguntou Peter, sem querer acreditar que aquilo estivesse a acontecer.
- Não… eu não fiz de propósito… diz-lhes Ryan! - Implorei.
Mas Ryan estava demasiado atónito para falar. Olhou para mim, e de novo para Sophie, e não disse mais nada.
- Eles beijaram-se! Eu cheguei aqui e vi-os enrolados! - Acusou Sophie, limpando furiosamente as lágrimas que não paravam de correr pelas suas faces.
- Eles o quê?! - Perguntaram Chris e Niza em uníssono.
Chris olhou novamente para mim, sem saber como reagir, e eu desviei o olhar, imitando um ar muito constrangido.
- Não pode ser! - Gaguejou Niza, perplexa.
- Mas foi! Eu vi-os… - Chorava Sophie.
Chris foi ganhando, aos poucos e poucos, um olhar mais raivoso. Eu avancei lentamente até ele, tentando fazê-lo acreditar que estava arrependida, mas ele afastou-se de mim como se eu fosse uma pessoa com uma doença contagiosa e mortal.
- Afasta-te de mim… - Disse ele, a voz dura e rouca.
- Por favor… não é o que todos estão a pensar!
- Sim, nós descontrolámo-nos, eu amo-te Sophie! - Exclamou Ryan.
E nesse momento, Chris não conseguiu aguentar mais. Pregou um murro no queixo de Ryan, deitando-o ao chão. Eu quis saltitar de alegria e bater palmas, mas tinha de concentrar-me mais que nunca em manter Kiara presa na minha mente. Se ela sentisse que os seus protegidos estavam em perigo seria capaz de se soltar, como já tinha acontecido outras vezes. Sophie chorava sem parar e Niza e Peter tentavam separar Chris e Ryan, que rebolavam pelo chão, esmurrando-se e lutando como dois leões enfurecidos.
- Parem com isso!
- CHRIS PÁRA! - Berrou Peter, tentando meter-se entre eles.
Mas antes que eles pudessem causar demasiados danos um no outro, as luzes do corredor acenderam-se e a maioria dos alunos veio para fora dos quartos, ver o que estava a acontecer. Mas nem isso fez com que Ryan e Chris parassem. Já havia gotas de sangue no chão e tudo. John e os seus guardas chegaram nesse instante.
- PAREM IMEDIATAMENTE COM ISTO! - Bradou John.
Mas foi preciso que os guardas entrevissem para separar Ryan e Chris, ambos com os lábios rachados e um ar desvairado.
Olhei para Sophie mas ela recuou perante o meu olhar. Niza abanou a cabeça em negação uma vez mais. Ela nem queria pensar que eu pudesse ter traído a amiga daquela maneira, e logo no seu aniversário.
Pois é: o meu plano é perfeito.
- Vocês vêm comigo. - Rugiu John, furioso.
Virou-se e eu segui obedientemente atrás dele. Niza, Sophie, Peter, Ryan e Chris vieram connosco, ladeados pelos guardas do castelo, não fossem lutar outra vez.
Encaminhámo-nos para o escritório de John sem dizermos nada. Quando entrámos, os guardas fecharam a porta e o padrinho de Kiara virou-se de frente para nós, parecendo tão furioso que podia expulsar-nos a todos em qualquer altura.
- O que é que se passou ali fora?
Ninguém lhe respondeu.
- NÃO ME OUVIRAM?! O QUE É QUE VOS PASSOU PELA CABEÇA PARA LUTAREM A MEIO DA NOITE?!
- Eles estavam apenas a… resolver uns assuntos. - Murmurei.
Todos os olhares se cravaram nos meus, até o de John, bastante surpreendido por eu ter falado naquilo.
- Ai sim? Mas neste colégio há regras! Não podem fazer barulho depois da uma da manhã!
- Nós sabemos. Pedimos desculpa. - Dirigi-lhe um leve aceno de cabeça, dando a impressão de estar muito arrependida.
Chris resmungou qualquer coisa que ninguém percebeu e John olhou para ele colericamente, assim como para Ryan.
- Vocês vão ser severamente castigados por isto. - Bradou ele.
Chris olhou de soslaio para mim e eu soube o que ele achava naquele momento: que a culpa de tudo o que estava a acontecer era exclusivamente minha. Felizmente, ele tinha razão.
- A partir de amanhã vão ficar na biblioteca a ajudar a senhora Norberts a arrumar os livros. - Determinou John.
- Durante quanto tempo?
- Depois de almoçar vão para lá, e depois do jantar vão até às onze da noite. Sei perfeitamente que se aguentam acordados até essa hora por isso não haverá discussão.
- Mas… - Começou Ryan, pronto para reclamar.
- Mas nada, senhor Ryan Adams. Aqui quem manda sou eu.
Quis corrigi-lo e dizer que na verdade quem mandava era eu, mas pronto, decidi ficar calada. Ryan baixou o olhar, e John cruzou os braços.
- Vocês desiludiram-me imenso. A vossa função é dar o exemplo para os alunos mais novos do colégio mas são sempre vocês que estão metidos nas confusões!
- Pedimos muitas desculpas. - Choramingou Niza, que odiava ser repreendida.
- Isso não me interessa agora. Vão embora. Amanhã começam com o castigo.
Chris foi o primeiro a sair do escritório, sem sequer olhar para mim. Apetecia-me dançar de alegria naquele momento, mas consegui manter o ar abatido. Aliás… ninguém olhou para mim. Niza ainda era a única que de vez em quando me deitava um olhar de esguelha, como se quisesse certificar-se que eu ainda ali estava, mas os restantes ignoraram-me completamente. Quando chegámos ao fundo do corredor, eu estaquei de frente para eles, obrigando-os a parar.
- Vocês vão continuar sem me falar?
Chris olhou para mim como quem não quer olhar. Eu pus as mãos na cintura e lancei-lhe e à Sophie um olhar ameaçador.
- OK, nós errámos, mas toda a gente erra! Além de que estamos todos… bêbedos de mais!
- Tu não estás bêbeda, Kiara. - Murmurou Chris.
A voz dele era tão dura, tão desapaixonada que me fez pensar que ele não gostava realmente dela. Ao mais pequeno rumor, ele tratava-a logo daquela maneira. Que rico namorado que ela tinha arranjado.
- Não interessa. Eu acho que mereço uma segunda oportunidade. Ryan… fá-los ver a verdade!
- Ela está certa. Eu fui ver como ela estava e… descontrolámo-nos… foi só isso…
- Só!? Cala-te Ryan! Eu não quero falar mais contigo! - Rosnou-lhe Sophie.
Depois seguiu pelo corredor fora, seguida por Niza, deixando-me diante dos rapazes. Chris e Peter não ousaram olhar para mim outra vez e eu decidi que já sabia o que fazer.
- Muito bem… vão todos deixar-me sozinha quando mais preciso de vocês, não é? Então está bem. - Resmunguei.
E segui atrás de Niza e Sophie, para conseguir chegar às escadas e prosseguir o meu caminho. Quando estava prestes a desaparecer na escuridão, ouvi Ryan chamar-me.
- Kiara espera! Onde vais?
- Para onde me queiram. - Respondi.
E depois desatei a correr pelas escadas abaixo. O sorriso que eu tentara conter durante toda a noite aflorou aos meus lábios. O meu plano tinha corrido lindamente. E agora faltava uma pequena parte apenas, para tornar tudo mais perfeito ainda.
Quando cheguei à porta do quarto dele, bati levemente e foi Drake quem veio abrir. Ficou espantado por me ver ali.
- Kiara?
- Sim… posso entrar? - Balbuciei, fazendo um ar muito triste.
Ele hesitou por uns momentos mas depois acabou por encolher os ombros e deixar-me passar. Brand levantou-se imediatamente da cama ao ver-me entrar, os seus olhos arregalaram-se de espanto.
- O que fazes aqui?
- Eu…
Não me contive mais. Curvei-me sobre mim própria, abraçando o meu corpo, e desatei-me a rir à gargalhada. Caí de joelhos no chão e levantei a cabeça, rindo a bom rir. Drake, Allan e Brand olhavam estupefactos para mim. Quando consegui controlar-me o suficiente para parar de rir apoiei-me na cama para me pôr de pé e abri bem os braços como se conseguisse albergá-los a todos.
- Sou eu rapazes! A Kalissa!
Brand e Drake entreolharam-se como se eu tivesse dito algo numa língua estranha. Suspirei, enquanto os deixava adaptar à novidade.
- Como é que temos a certeza? Ainda há dez minutos atrás eras a Kiara!
- Não. Juro que não sou. E aliás, passar o dia de aniversário daquela cabra, a Sophie, com eles foi uma tortura enorme. Quem me dera poder ter vindo para aqui mais cedo! Mas pronto. Eu já fiz o que tinha a fazer. E já acabei com a felicidade daquele grupo de pacóvios, portanto agora sou toda vossa.
Brand sorriu-me entusiasticamente e avançou até mim.
- Esta é que é a minha Kali.
Beijou-me intensamente e eu entreguei-me ao beijo, esquecendo-me por segundos que Drake e Allan estavam ali no quarto. Quando Brand se separou de mim, os seus olhos cintilavam de felicidade e eu soube que eram apenas o reflexo do brilho nos meus.
- Então estiveste a fingir o dia todo? - Perguntou Drake, espantado.
- Sim. Não foi fácil mas acho que me safei bem.
- Podes crer que safaste! Eu estive lá fora a ver a luta e tu parecias mesmo a Kiara. - Disse Brand.
- Estás a insultar-me!
- Não. Estou a dizer que és uma actriz fantástica.
E beijou-me outra vez.
- Posso ficar aqui convosco? Consegui fazer com que a Sophie e a Niza odiassem a Kiara, e o Chris nem a quer ver à frente.
Brand piscou-me o olho de modo provocador.
- És mesmo a melhor, minha Kali.
- Obrigada. Mas deixam-me ficar aqui?
- Por mim sim. - Disseram Drake e Allan em uníssono.
- Com todo o prazer. - Murmurou Brand.
Eu sorri-lhes.
- Obrigada malta.
Drake e Allan sorriram-me também e depois voltaram às suas actividades anteriores: injectar-se e inalar a droga. E eu pensei que podia dar-me ao luxo de participar com eles, só daquela vez. Sentei-me ao lado de Brand na cama dele e estendi a mão para Drake.
- Posso usar a tua seringa?
- Claro. Mas vais injectar-te outra vez?
- Há muito tempo que não faço isto, está-me a apetecer.
Ele encolheu os ombros despreocupadamente e passou-me a seringa. Pisquei o olho a Brand, que me puxou gentilmente a manga da camisola para cima, até ao cotovelo. Coloquei o braço numa posição favorável e cravei lá a seringa. Mordi o lábio inferior para combater a pequena dor que surgiu no momento em que a seringa perfurou a minha pele. Mas assim que a droga entrou no meu corpo, senti-me logo melhor.
- Obrigada.
Olhei para os meus dois amigos e para Brand e senti-me muito bem ali. Por mais que Kiara se gabasse de ter amigos verdadeiros, eles tinham-lhes virado as costas quando ela mais precisava deles. Ao contrário do que Drake e Allan faziam comigo. Mesmo que eu estivesse longe deles durante muito tempo, quando voltava tinha-os sempre do meu lado. Assim como ao Brand. Ele deitou-se e eu deitei-me melhor ao seu lado, aninhando-me no seu peito e nos seus braços musculados, e fechei os olhos.
- Amo-te. - Disse ele baixinho.
Sorri e assenti com a cabeça.
- Eu sei. Também te amo.
E pela primeira vez, era mesmo verdade. Foi nessa noite que eu finalmente percebi que o meu lugar era mesmo ao lado de Brand. Que acontecesse o que acontecesse, eu ia querer sempre estar com ele. Eu era toda de Brand. Atraí a sua boca para a minha e uni os meus lábios aos seus docemente.
- Vai correr tudo bem.
Ele assentiu e beijou-me novamente. E eu tive a certeza que essa noite ia recompensar tudo o que o dia me tivesse feito aguentar. Apenas e só porque estava nos braços do meu namorado. Kiara, nunca me vais ganhar. Eu sou e serei sempre mais forte que tu.