Capítulo 9
Um Plano Bem Sucedido
Eu estava a deleitar-me com o que tinha acontecido, estendida ao comprimido em cima da cama de Brand, de olhos fechados. Não conseguia simplesmente deixar de sorrir. Tinha corrido tudo tal e qual eu planeara, a sensação era tão boa que eu não conseguia parar de rever o acontecimento uma e outra vez. Soltei uma gargalhada alegre.
Mesmo que Brand, Drake e Allan fossem castigados, eu arranjaria maneira de persuadir o padrinho de Kiara a tirar-lhes o castigo. Mas Chris, Ryan e Peter iam sofrer as consequências. Perfeito.
A droga dava-me uma sensação de dormência e só me apetecia estar ali deitada, sem pensar em mais nada. Felizmente, ninguém teve a infeliz ideia de me vir chamar. E eu fiquei entretida com as minhas alucinações felizes. Sentia-me leve como uma pena. Entre muitas razões, era por isto que eu gostava da droga. Fazia-me sentir… calma.
O tempo foi passando e eu acabei por adormecer. Ou melhor, eu não estava realmente a dormir, mas os meus sentidos estavam apaziguados, como se eu estivesse a flutuar numa dimensão diferente, onde tudo era tal e qual como eu queria. Mantive os olhos fechados e os meus batimentos cardíacos também se foram acalmando. De repente, ouvi baterem levemente na porta. Não me levantei nem disse nada por isso a pessoa acabou por entrar. Quem vi deixou-me realmente espantada, fazendo-me levantar a cabeça da cama só para olhar para ela. Pestanejei para tentar entender o que é que estava a acontecer.
- Wendy?!
O que é que ela fazia ali? Olhei à minha volta e percebi que não estava no mesmo lugar. Eu já não me encontrava no quarto de Brand, Drake e Allan. Naquele momento eu tinha voltado ao quarto da minha casa em Auburn, e a pessoa diante de mim era uma prova viva disso.
- Como é que te sentes? - Perguntou ela, docemente.
Pisquei os olhos. Só podia estar a ter alguma alucinação. O que é que ela fazia ali?! O que é que tinha acontecido afinal?
- O que é que faz aqui? - Perguntei, confusa.
- Eu vim falar contigo. Chegaste há pouco tempo a casa.
- Eu? Não… eu estava no colégio! Quero voltar para lá!
Ela continuou como se me tivesse ignorado. O seu olhar maternal fez-me sentir nervosa. Eu odiava que olhassem para mim daquele jeito.
- Ela tem andando a fazer tanto mal. - Disse Wendy, num tom diferente, quase censurador.
- Pois tem. A sua sobrinha é uma miúda velhaca e desprezível. - Rosnei-lhe, sentando-me melhor na cama para olhar para ela.
Wendy, a tia de Kiara, cruzou os braços e suspirou dramaticamente.
- Eu posso ajudar-te a detê-la.
- Como é que pensa fazer isso?! Você está morta!
Onde raio é que eu estava? Wendy tinha sido assassinada há quatro meses atrás, assim como o marido. Eu tinha a certeza disso, tal como Kiara… então o que é que ela estava a fazer ali à minha frente?
A confusão fazia-me doer a cabeça.
- Como raio é que pensa ajuda-me?
- Vamos travá-la. Ela não pode continuar a agir desta maneira.
- Tem razão. Mas eu só posso controlá-la enquanto ela estiver nos confins da minha mente, o que raramente acontece.
Wendy pareceu ficar nervosa, os seus olhos castanhos-escuros abriram-se numa expressão de medo.
- Ela está a ficar mais forte.
- Pois, parece que sim. Mas eu vou vencê-la na mesma. Ela vai arrepender-se de tudo o que anda a fazer.
- Eu espero que consigas travá-la. Sinto-me tão… triste com toda esta situação…
Eu estava a ficar cada vez mais confusa. Por que é que de repente Wendy se mostrava revoltada com a sobrinha? Não seria natural que ela a adorasse e fizesse tudo pelo bem dela? Aliás, Wendy não gostava nada de mim. Não era tanto quanto o ódio que eu sentia por ela, mas já era o bastante para não querer ajudar-me.
- Eu quero ficar sozinha. - Resmunguei.
- Sim… eu vou sair. Quando o jantar estiver servido eu chamo-te, está bem? - Disse ela, sorrindo-me.
Aquilo ainda me deixou mais incrédula. Ela saiu do quarto sem fazer muito barulho, fechando a porta atrás de si.
Que estranho…
Mas no segundo seguinte, e antes que eu pudesse agarrar-me melhor ao momento que estava a viver, tudo se dissolveu numa nuvem de pó cinzenta, e eu perdi os sentidos, deixando-me cair para trás na cama.
- Kali! Kali, estás a ouvir-me querida?
Eu estava a ouvir a voz de Brand, mas parecia-me que ele falava do fundo de um túnel muito longo. Inspirei fundo e depois abri os olhos lentamente, habituando-os à intensa luminosidade. O candeeiro da mesa-de-cabeceira ao meu lado estava ligado e a luz batia-me fortemente no rosto. Semicerrei os olhos para os proteger da luminosidade e olhei para Brand. Ele pairava sobre mim, com o rosto contorcido pela confusão.
- Ah, ainda bem que já acordaste!
Beijou-me docemente mas eu afastei-o logo de seguida, tentando sentar-me na cama. Doía-me imenso a cabeça e o corpo todo. Massajei as têmporas mas isso não abrandou a dor. Brand sentou-se à minha frente, ainda preocupado com o meu estado. Foi nessa altura que observei melhor o seu rosto.
Brand tinha o lábio inferior rachado no canto esquerdo, inchado, e devia ter sangrado bastante. Também tinha o olho direito a começar a ficar arroxeado. De resto, não vi mais nenhum sinal da luta entre ele e Chris, mas senti-me feliz por ele não estar muito machucado. Eu gostava dele e principalmente do seu corpo invejável.
- Brand…
- Sim, estou aqui, está tudo bem.
- O que é que aconteceu? - Perguntei.
Lembrei-me do momento estranho pelo qual tinha passado e os meus olhos fecharam-se. Ainda não tinha arranjado uma justificação suficientemente boa para a conversa com Wendy. Se eu não estava morta como é que ela podia ter falado comigo?!
- Tu desmaiaste, acho eu. Não sei durante quanto tempo. Quando cheguei ao quarto ainda estavas inconsciente.
Tornei a fechar os olhos, e pus-me em estado de alerta para tentar captar a sensação terrível que me consumia de cada vez que Kiara se apoderava do meu corpo, mas essa sensação não surgiu. Aliás, as únicas dores que eu sentia eram motivadas pela falta de droga. Eu tinha de tomar uma nova dose o mais depressa possível.
- Pois… Brand, eu preciso de droga.
Ele assentiu com a cabeça e levantou-se, aproximando-se da secretária para preparar uma dose para mim. Enquanto ele fazia isso, em silêncio, eu tentava alinhar os acontecimentos na minha cabeça e cheguei à conclusão que o incidente com Wendy não passara de uma alucinação provocada pela droga. Drake tinha dito numa tarde que, por vezes, o LSD provocava alucinações daquelas. Portanto era essa a explicação. Não havia nada de anormal nem transcendente no que tinha acontecido. Brand voltou para junto de mim com um copo de água e dois comprimidos, e passou-mos.
- Toma isso, deve ajudar.
- Obrigada. - Tomei os comprimidos rapidamente e depois cravei o olhar no seu. - Agora vais contar-me a conversa com o John.
Ele revirou os olhos com ar de quem não queria nada tocar no assunto mas eu não lhe dei alternativa. Queria mesmo saber o que tinha acontecido.
- Ele meteu-nos a todos de castigo e disse que não queria voltar a ver uma cena daquelas aqui dentro, e que se tornasse a acontecer éramos todos expulsos.
- Oh sim, como se ele se atrevesse a expulsar-vos.
Brand olhou para mim de uma maneira esquisita que me deixou desconfiada. Havia algo mais por detrás daquela história.
- O que é que se passa?
- Nada, é só isso…
- O que é que me estás a esconder?! Não quero que me escondas nada! - Vociferei, agarrando no queixo dele e virando-o na minha direcção para pode cravar o olhar no seu.
- Está bem, pronto! - Resmungou ele, libertando-se da minha mão. - O John queria expulsar-nos cá do colégio por andarmos a consumir droga.
Os meus olhos arregalaram-se de espanto e não fui capaz de dizer mais nada.
- Ele já queria isto há alguns dias, mas entretanto a Kiara falou com ele e conseguiu convencê-lo a deixar-nos cá ficar.
Claro que aquela parasita nojenta tinha de ficar como boa da fita. Revirei os olhos e soltei uns estalidos com a língua. Brand continuou.
- Então hoje ele tornou a ameaçar que nos expulsava daqui se voltássemos a lutar ou a consumir droga.
- Ele não fará isso, não lhe ligues. - Respondi, calmamente.
- Como é que podes ter tanta certeza?
- Porque ele não se atreveria a desobedecer às minhas ordens.
Falei calma e determinadamente porque aquela era a mais pura das verdades. Se eu fosse falar com ele tudo seria mais fácil, mas eu não estava com vagar para levar com os seus sermões paternais.
- Não te preocupes Brand. Vai ficar tudo bem.
Ele puxou-me para os seus braços e enrolei as pernas em volta da sua cintura enquanto ele me beijava apaixonadamente.
- E obrigada por me teres defendido. - Sorri.
Os seus olhos cor de chocolate, deliciosos e profundos, fundiram-se com os meus e ele sorriu de modo convencido.
- Eu por ti faço tudo, Kali.
E depois os seus lábios uniram-se novamente aos meus e foi o suficiente para dar a conversa por encerrada.
Horas depois, eu estava deitada ao lado de Brand na cama, e ele dormia profundamente. Já deviam ser perto das onze da noite. Mas eu não tinha sono. Estava a magicar uma maneira de me vingar de Sophie. Aquela miúda ia aprender a meter-se com pessoas da sua classe, ou seja, os que não interessam a ninguém.
Mas como é que eu me podia vingar dela? Quer dizer… não me apetecia andar à luta com ela. Não, eu não sujaria as minhas mãos com Sophie. No entanto, tinha de encontrar um jeito de a fazer perceber que não se podia dar ao desplante de me falar daquela maneira.
De repente, uma ideia fantástica atravessou-se na minha cabeça. Mas talvez demorasse algum tempo até conseguir alcançá-la… porque tinha tudo de ser planeado até ao mais ínfimo pormenor. Mas não interessava. Eu ia conseguir.
Virei-me na cama e aninhei-me nos braços de Brand, fechando os olhos. Estava na hora de eu também dormir.
Na manhã seguinte, quando acordei, Brand já se estava a arranjar para ir às aulas. Essa tinha sido uma das condições de John para não os expulsar: eles tinham de continuar a ir às aulas. E eu também tinha de voltar a treinar a Claque, porque realmente tinha-me andando a desleixar nos treinos. Olhei para Brand e sorri-lhe.
- Bom-dia.
Ele sorriu-me também e aproximou-se para me beijar gentilmente.
- Vais levantar-te agora? - Perguntou.
- Não tenho alternativa…
Levantei-me e dirigi-me à casa de banho para tomar um duche. Ao ver-me ao espelho, notei as diferenças no meu aspecto. Kiara estava a conseguir recuperar o corpo que tinha antigamente, mas ainda estava tudo no começo. Ainda demoraria algum tempo até ela voltar ao que era, e no que dependesse de mim, não voltaria.
Tomei banho rapidamente e depois voltei para o quarto e dirigi-me ao roupeiro que dividia com Brand. Escolhi a roupa para esse dia e vesti-me, penteei-me, maquilhei-me e calcei-me. Brand esperava que eu acabasse de me arranjar.
- Onde é que estão o Drake e o Allan? - Questionei, ao dar pela falta deles.
- Saíram pouco tempo antes de tu acordares. Foram tomar o pequeno-almoço.
- Ah, OK, fazem bem. Vamos?
Brand rodeou os meus ombros com o seu braço forte e musculado e levou-me consigo para fora do quarto, fechando a porta. Atravessámos o corredor e descemos a escadaria até chegarmos ao vestíbulo. Todos os olhares se dirigiam a nós, uns confusos e outros entusiasmados. Graças à luta da manhã anterior, eu e Brand tínhamos recuperado o estatuto de "Reis" do colégio.
Seguimos para o salão de refeições e quando entrámos, avistei o nosso grupo lá ao fundo, sentado à espera que nós chegássemos. Dirigimo-nos para lá e eu não olhei uma única vez para o local onde Niza, Sophie, Chris, Ryan e Peter estavam sentados. Eles não interessavam para nada.
- Olá Brand, olá Kalissa! - Disseram Penny e Terry em conjunto.
Sorri-lhes e depois sentei-me ao lado de Brand, que continuou abraçado a mim. Drake cumprimentou-me com um aceno de cabeça.
- Hei, Kalissa, tens aqui um defensor da tua honra! - Gracejou Omar, dando um soco no braço de Brand.
- É, e ainda bem que o tenho. - Murmurei.
E antes que mais algum pudesse fazer comentários, levantei-me e segui até à mesa do buffet para escolher o meu pequeno-almoço, que acabou por ser apenas um copo de sumo de laranja natural. Voltei para a mesa e sentei-me no mesmo lugar de antes.
- Hoje há ensaio da Claque. - Avisei as raparigas.
Os olhos de todas elas cintilaram de entusiasmo e Terry, Penny e Meredith bateram palmas alegremente. Enfim, eram tão infantis que chegavam a enjoar. Bebi o sumo silenciosamente e depois olhei para a porta de entrada do refeitório e vi Mariah a passar.
Ela continuava a mesma amostra do que tinha sido anteriormente. Os seus olhos percorreram o salão até se cravarem nos meus e depois ela baixou-os instintivamente, como se tivesse medo que eu a dilacerasse apenas com o olhar. Sorri e virei-me de novo para o meu grupo de adoradores particulares.
O dia correu bastante bem. Depois do pequeno-almoço fiquei no quarto de Brand durante todo o dia, deixando-me cair na suave sensação de flutuar provocada pelo haxixe. Quando chegou a hora de almoço desci para comer com os Desportistas e as Raparigas da Claque e quando acabámos a refeição, levantei-me e senti-me mais entusiasmada.
- Não se esqueçam que temos treino daqui a duas horas.
- Claro, não nos esquecemos! - Disse Meredith alegremente.
Segui com os Desportistas para a Sala de Convívio e pela primeira vez em muito tempo, sentei-me com eles num dos grupos de sofás, a ver televisão. Estava a passar um filme qualquer que eu achei interessante pelo que fiquei com eles a ver.
Passaram-se as duas horas e chegou a altura de ir treinar com a Claque. Dirigi-me para fora do castelo com as minhas seguidoras atrás de mim como se fossem dez sombras minhas, e quando cheguei ao exterior apercebi-me que a neve ainda não tinha derretido, e que por isso teríamos de treinar no pavilhão coberto do colégio. Com um suspiro de resignação, dirigi-me ao atalho que nos levava directamente até lá. Esse atalho, um caminho de pedrinhas pequenas ladeado por pinheiros e abetos, fazia a ligação entre a escadaria de entrada e a porta do grande pavilhão da Blackstone Private School. O frio de rachar que se fazia sentir não me incomodava minimamente.
Quando chegámos ao pavilhão, este estava vazio. Entrámos e seguimos para a área do treino da claque. A pequena mesa de madeira ao fundo da divisão já tinha o rádio portátil em cima pelo que me aproximei para o ligar. A música encheu o enorme pavilhão e eu virei-me para a minha claque.
- Vamos lá! - Gritei para me fazer ouvir.
E quando começámos a dançar, eu senti-me muito melhor. Era aquela a razão para eu ser a Chefe: porque a Claque era a única coisa que me interessava (a nível de desporto) naquele colégio. Dançar deixava-me mais entusiasmada e mais feliz, como se me afastasse de todos os problemas que pairavam à minha volta como uma nuvem cinzenta.
As horas passaram e embora eu me sentisse cansadíssima, não parei com as coreografias. Terry, Penny e Meredith eram as mais empenhadas em acompanhar-me. Elas tinham sido as maiores seguidoras de Mariah e agora eram as minhas.
O treino acabou quando faltava menos de meia hora para o jantar. Seguimos de volta ao castelo - a noite já tinha caído e cobria tudo com o seu manto sombrio - e eu apressei-me a correr até ao quarto de Brand. Nem ele nem os seus amigos lá estavam. Fechei bem a porta e segui para a casa de banho, para poder tomar duche antes da refeição.
Tomei banho e quando acabei troquei por uma roupa lavada e arranjei-me. De seguida desci as escadas a correr até ao salão de refeições, onde o meu grupo me esperava.
Sentei-me ao lado de Brand e ele sorriu-me.
- Como correu o treino?
- Muito bem! Eu já tinha saudades de dançar! - Sorri.
Depois comecei a comer.
A noite correu como tantas outras: fiquei até à uma da manhã com os Desportistas e as Raparigas da Claque na Sala de Convívio, a conversar e a ver televisão, e depois subi com Brand para o quarto, seguidos de Drake e Allan. Depois de termos tomado as nossas doses - eu passei a injectar-me como eles faziam porque assim dava menos hipóteses à Kiara de conseguir curar-se da droga, uma vez que me estava a tornar mais dependente dela - e depois deitámo-nos.
Suspirei antes de adormecer. Talvez a minha vida fosse finalmente melhorar daí em diante. Já não havia nada que temer. Chris nunca mais se atreveria a tentar dormir com Kiara e os seus amiguinhos estúpidos saberiam que não se podiam meter com Kalissa Jones.