quarta-feira, 1 de junho de 2011

Capítulo 16


Porque É Que Não Acreditas Em Mim?!





            Senti-me a acordar. A sensação de calma estava a esvair-se de mim para ser substituída por uma forte dor de cabeça. Voltei-me na cama e acabei por esbarrar contra algo, que se mexeu depois de eu lhe ter tocado. Abri os olhos para tentar perceber o que era e deparei-me com o rosto de Brand a menos de um palmo de distância do meu. Quis gritar mas consegui controlar-me a tempo. Tudo na minha cabeça se processou muito depressa.
            Eu estava a meio de um pesadelo. Sim, só podia ser isso.
            Tentei acalmar as respirações e os batimentos cardíacos, mas sentia-me completamente descontrolada. Brand rolou, deitando-se sobre mim, e a sua testa franziu-se de preocupação.
            - Estás bem? - Perguntou ele, parecendo preocupado.
            Como é que eu podia estar bem quando ele estava ali, deitado em cima de mim, tão prestes a beijar-me que era impossível fugir? Engoli em seco e tentei procurar uma maneira de fugir.
            - Brand… sou a Kiara.
            - Sim, sim, ontem também foste a Kiara todo o dia e depois viu-se a verdade!
            - Mas…
            - Vá lá querida, achas mesmo que me consegues enganar?
            E depois beijou-me. Sim, ele beijou-me realmente. Eu fiquei sem saber como reagir. O meu corpo inteiro paralisou, e Brand continuava a tentar fazer-me corresponder à sua carícia, mas eu não era capaz de reagir. Mesmo que quisesse afastá-lo - e queria muito - não era capaz. Depois ele recuou um pouco e fundiu o olhar cor de chocolate no meu, com uma paixão tão forte que era difícil de negar.
            - Brand, estou a falar a verdade… sou a Kiara. Não sei o que aconteceu mas já troquei com a Kalissa. E agora é a sério.
            Ele demorou uns segundos até entender o que eu queria dizer. Depois pareceu ficar demasiado chocado para fazer o que quer que fosse.
            - Por isso podes, por favor, sair de cima de mim?
            Ele assentiu com a cabeça e rolou de cima de mim. Sentei-me apressadamente na cama, tapando-me com o lençol. Corei imenso ao perceber que estava apenas em roupa interior. Oh meu deus… como é que isto chegou a este ponto?!
            - Brand… que dia é hoje? - Perguntei.
            No meio do emaranhado de perguntas que gritavam dentro da minha cabeça, aquela era a mais urgente de todas. Ele sentou-se também, mantendo-se a uma distância segura de mim.
            - É segunda-feira, 30 de Janeiro.
            O meu queixo descaiu-se de surpresa.
            30 de Janeiro… o aniversário de Sophie tinha sido ontem!
            - Oh não…
            - O que se passa?
            Virei-me para ele, sem saber o que perguntar primeiro. O pânico crescia dentro de mim. A certeza que Kalissa tinha feito alguma asneira no dia anterior entranhava-se em cada célula do meu corpo, mesmo antes de eu receber a confirmação dos meus medos.
            - A Kalissa esteve no controlo ontem, não foi?!
            - Sim… o dia todo.
            - Ai, ai, ai…o que é que ela fez?
            Brand hesitou antes de responder. Engoliu em seco e desviou o olhar do meu. O meu coração falhou uma batida. Tinha sido muito mau. Eu conseguia prever isso. Preparei-me para o choque.
            - Eles passaram o dia bastante bem. Não notei diferença nenhuma. Até julguei que fosses tu quem estava a controlar. Mas quando eram duas da manhã a minha miúda revelou-se.
            - O que é que ela fez? - Murmurei, tão assustada que ele mal me deve ter ouvido.       
            - Eu não sei bem. Mas quando cheguei ao corredor, estavam lá quase todos os alunos do colégio. O Ryan e o Chris estavam a lutar, a Sophie a chorar como uma doida, e tu estavas encostada à parede.
            - O quê?! O Ryan e o Chris lutaram?!
            - Sim. Por tua causa. Mas não sei exactamente porquê.
            Escondi o rosto entre as mãos. Doía-me muito a cabeça e mal conseguia pensar no que estava a acontecer. Mas tinha de descobrir uma maneira de resolver toda aquela embrulhada. Como sempre, Kalissa fazia as asneiras e eu limpava-as.
            - Kiara… há alguma razão para Kalissa ter escolhido logo o dia do aniversário da Sophie para fazer aquilo?
            - Há…
            Só me apetecia chorar. Como é que aquela cabra podia ser assim tão má?! Logo no aniversário da minha amiga… ela era mesmo horrorosa.
            - E qual é?
            - Ela queria vingar-se da Sophie. Tenho a certeza. E soube fazê-lo.
            - Podes crer que sim!
            Semicerrei os olhos de modo ameaçador e cravei-os em Brand, cujo sorriso maldoso desapareceu logo.
            - Desculpa. - Ele encolheu os ombros despreocupadamente.
            - Brand, ela é minha amiga!
            - Neste momento ela odeia-te tanto…
            Revirei os olhos. Ele nunca seria capaz de perceber. Levantei-me antes que me tentasse travar e comecei a andar às voltas pelo quarto, enquanto tentava acalmar-me. Sentia-me tão mal que nem era capaz de pensar em condições.
            - Acalma-te Kiara. - Disse Brand como se aquilo fosse a coisa mais normal do mundo, como se a sua namorada não me tivesse arruinado a vida.
            - Eu vou-me embora. Tenho coisas a tratar. - Respondi por fim.
            Peguei nas minhas calças de ganga, caídas no chão, e vesti-as rapidamente. Brand deixou-se cair para trás na cama, provavelmente para voltar a dormir ao ver que não conseguia fazer mais nada comigo.
            Calcei rapidamente os ténis e enfiei a camisola. Depois olhei uma última vez para Brand. Senti uma vontade enorme de lhe pedir que me explicasse melhor, mas eu sabia quem me daria todas as respostas que eu esperava ouvir. Porque apesar de não ter estado no poder no dia anterior, era capaz de imaginar que eles tinham sido castigados pela confusão que tinham provocado. E o castigo só podia ser aplicado por uma pessoa.
            - Eu volto… se precisar. - Murmurei para Brand.
            Ele levantou-se calmamente e aproximou-se de mim. Era uns três palmos mais alto do que eu, pelo que eu tinha de elevar ligeiramente o rosto para olhar para ele. Os seus lábios carnudos ficaram bem na linha da minha visão e senti o gosto da boca dele na minha, fazendo-me sentir esquisita.
            - Eles odeiam-te. - Disse ele severamente.
            - Eu sei. E tudo graças à tua querida Kalissa.
            - Ninguém a compreende além de mim. Ela odeia-os. E se aquela Sophie não a provocasse tanto não teria sofrido o que sofreu.
            - Ela é uma cabra horrorosa. Toda a gente a odeia, não apenas a Sophie. E eu prometo-te Brand… vou vingar-me do que a Kalissa fez.
            - Como se conseguisses isso…
            - Eu vou conseguir.
            Podia não ter a certeza, mas a energia que me corria nas veias e que me fazia continuar a olhar para ele era a mesma que me incentivava a afirmar aquilo. Custasse o que custasse, eu ia reparar o erro da demónia.
            - Kiara… por que é que não podes apenas esquecê-los?
            Espantei-me por ele pedir aquilo. Brand aproximou-se mais um pouco e baixou o tom de voz.
            - Podias ficar connosco. O Drake e o Allan aceitam-te, a sério. Não haverá problema. Tudo seria muito mais fácil.
            Hesitei por uns momentos. Não que estivesse sequer a pensar na sua sugestão, eu jamais podia considerar uma proposta daquele género. Eu estava sim a pensar na resposta que lhe havia de dar. Gritava primeiro e batia-lhe depois? Ou a violência física devia vir antes da verbal?
            Cerrei as mãos em punhos para me controlar. Não queira gritar com ele. Brand apercebeu-se da minha mudança de humor.
            - Tem calma…
            - Como podes pensar que eu faria isso?! - Rosnei-lhe, furiosa.
            - Eles viraram-te as costas! A Kalissa disse que o Chris nem quer olhar para a tua cara!
            Engoli em seco e senti os olhos a encherem-se de lágrimas. Já esperava que ela não se ficasse por magoar Sophie. Tinha de incluir todo o grupo na maldade.
            - Ele vai entender.
            - Ele odeia-te, assim como o Peter e a Sophie. Até a Niza está furiosa contigo neste momento! O que é que vais fazer para junto deles?!
            - Eles são a minha família.
            Eu não estava a mentir. Uma lágrima desceu pelo meu rosto. Por mais asneiras que Kalissa fizesse, não eliminaria o meu amor e a minha amizade por eles. Por muito que Chris me odiasse naquele momento, eu sabia que ele não era capaz de deixar de me amar. Só uma paixão verdadeira como a nossa superava todos os obstáculos que Kalissa nos punha no caminho. E os meus amigos estavam enervados comigo porque não sabiam a verdade. Mas quando eu lhes contasse o que realmente tinha acontecido, eles voltariam para mim.
            Ryan também. Ryan, que me salvara a vida por duas vezes, que estaria sempre ao meu lado para me apoiar, tal como me prometera.
            - Eles viraram-te as costas.
            - Eles vão voltar. Eu nunca os deixarei. A Kalissa pode esforçar-se. Pode lutar o quanto quiser para me separar deles. Mas nunca conseguirá.
            Dei meia-volta e saí do quarto, batendo com a porta com força. Contive as lágrimas que queriam soltar-se e corri pelo corredor à minha velocidade máxima. Não conseguia pensar que Brand tivesse dito a verdade.
            Onde é que eu arranjaria forças para fazer com que Chris me perdoasse, outra vez?!
            Quando cheguei à escadaria, quase tropeçava a meio, mas consegui manter o ritmo acelerado. Eu precisava de falar com John, antes de tomar uma decisão, de traçar um plano.
            O caminho para os aposentos do meu padrinho parecia nunca mais terminar. Aqueles corredores todos iguais, medievais e longos de mais, faziam-me desesperar. Eu precisava de encontrar uma solução para o meu problema. Não aguentava lidar com aquilo durante mais tempo.
            Finalmente, a porta que dava acesso ao escritório do meu padrinho surgiu diante de mim. Abrandei o passo e inspirei fundo para arranjar coragem. As minhas mãos tremiam imenso. Bati três vezes na madeira antiga e a voz de John ordenou-me que entrasse.
            Quando eu me aproximei da secretária, os olhos dele semicerraram-se de desconfiança. Senti-me mesmo mal ao ver aquela expressão no seu rosto. Normalmente John olhava-me sempre de modo compreensivo, um ar paternal que o fazia parecer mais novo e mais alegre. Naquele momento, ele parecia profundamente irritado com algo. E eu até sabia com o quê: comigo.
            - Bom-dia John. - Murmurei.
            Ele assentiu com a cabeça e indicou-me que me sentasse na cadeira em frente à secretária. Foi o que fiz, sem desviar os olhos dos seus.
            - Como te sentes Kiara?
            - Mal. E preciso da sua ajuda… não sei o que fazer.
            - Não sabes o que fazer? Eu já te dei as indicações que precisavas. - Respondeu ele, o sarcasmo bem evidente na sua voz.
            - Desculpe?
            Que indicações? E será que ele iria acreditar em mim? Eu precisava disso. Se John não confiasse nas minhas palavras, quem confiaria?
            - Ontem disse-te qual era o teu castigo. Por que é que não te estás a preparar para as aulas?
            - Houve um problema.
            - Outro? - Vociferou ele, a testa a franzir-se de irritação.
            - Sim. É que… ontem… não era eu quem estava no controlo, era a Kalissa.
            - Isso é mentira. Nunca pensei que tivesses descaramento suficiente para me mentir desta maneira!
            - Mas… não… eu não lhe estou a mentir! John, jamais lhe mentiria sobre isto! Era a Kalissa quem estava a falar consigo. Não sei o que aconteceu, acordei ao lado do Brand esta manhã e não faço ideia do porquê do Chris e do Ryan terem lutado! Por favor eu preciso de ajuda…
            O meu padrinho hesitou imenso antes de responder, como se não soubesse se devia acreditar no que eu dizia. Esperei que ele entendesse que eu estava a falar a verdade. Isso demorou demasiado tempo a acontecer e eu estava prestes a recomeçar a implorar quando ele expirou prolongadamente, como se estivesse a render-se.
            - Estás a dizer que a Kalissa se fez passar por ti durante todo o tempo?
            - Sim. É isso mesmo. Juro.
            - Tens de perceber que para mim é difícil de admitir que estás a dizer a verdade. Ela fez-se passar perfeitamente por ti. Ninguém desconfiou, nem mesmo os teus amigos.
            - Pois… o Brand disse-me que eles me odeiam.
            John não negou isso, o que me deixou ainda pior. Baixei o rosto, sentindo-me tão desesperada por ajuda que era capaz de desatar a chorar. Eu só queria apagar o dia anterior, voltar atrás no tempo, para que nada daquilo tivesse acontecido.
            - John… o que é que eu faço?
            - Não sei o que te diga.
            Escondi o rosto entre as mãos e fechei os olhos com força. Tinha de haver uma maneira de corrigir aquilo.
            - Por favor, conte-me o que é que ela fez.
            John respirou fundo e depois recostou-se melhor na poltrona.
            - Durante todo o dia não houve problema. Eu estava descansado. Não pensei que ela estivesse a fingir tão bem. Mas depois à noite, perto das duas da manhã, comecei a ouvir gritos no corredor e fui averiguar o que se passava. Foi aí que vi o Ryan e o Chris a lutar no chão. Estava tudo descontrolado. Consegui separá-los e trouxe-os para aqui, incluindo a Sophie, a Niza e o Peter, para os repreender. E eles estão de castigo.
            - Pois, eu já esperava isso. Posso saber qual é o castigo?
            - Vão ajudar a arrumar os livros da biblioteca em todos os tempos livres que tenham.
            - Hum… OK…
            Inspirei fundo e abri os olhos. Uma sensação de dormência estava a apoderar-se de mim. Aquela dormência que só sentimos quando sabemos que vamos passar por uma situação muito má e só nos apetece enfiar-nos na cama e nunca mais de lá sair. Era assim que eu me sentia. Apetecia-me dormir para sempre. Deixar que os problemas desaparecessem, se esvaíssem como pó. Mas não podia desistir.
            - Eu tenho de ir falar com eles. Não posso adiar isto por mais tempo.
            - Concordo. Mas tem cuidado. Eles estão muito desiludidos contigo.
            - Não fui eu. Não sei o que a Kalissa fez, mas não tenho culpa disso!
            John assentiu com a cabeça e eu levantei-me.
            - Estou tão farta desta vida! Não posso continuar com isto! - Respondi.
            - Eu sei. Mas não há nada que possas fazer.
            Passei a mão pelo cabelo para o tirar do rosto. Eu tremia por todos os lados. Precisava de encontrar uma maneira de travar Kalissa de uma vez por todas e impedir que ela continuasse a destruir-me lentamente.
            - Eu tenho de ir. Desculpe por tudo…
            John desviou o olhar do meu. Senti o meu coração a ficar comprimido. Eu sabia o que ele estava a sentir naquele momento, mesmo que ele não dissesse em voz alta. E a certeza de saber isso fez-me recuar uns passos. Não podia continuar a ver aquela expressão no rosto do meu padrinho. Não aguentava, simplesmente.
            - Perdoe-me.
            Virei-me e desatei a correr para fora do seu escritório. Limpei as lágrimas furiosamente. Enquanto corria, sentia-me cada vez mais ansiosa por ver Chris. Tinha de falar com ele. Só o meu namorado podia eliminar aquela dor doentia no meu peito.
            Quando cheguei ao seu quarto, parei antes de abrir a porta. Eu não estava realmente preparada para a reacção dele. E se não me quisesse ver nem falar comigo? E se me obrigasse a sair do quarto sem sequer ter ouvido a minha explicação? Como é que eu ficaria depois disso?!
            Respirei fundo para arranjar coragem. Não podia desistir já. Ela não ia vencer-me outra vez.
            Abri a porta sem sequer bater. Entrei no quarto com passos determinados, embora me sentisse desolada por dentro.
            Chris era o único que lá estava. Encontrava-se encostado à janela de parapeito largo, a olhar para a floresta lá fora. Tinha um ar tão triste, tão perdido nos seus pensamentos, que ainda pensei em dar meia-volta e deixá-lo em paz. Acho que ele merecia isso. Mas antes que pudesse tomar uma decisão acertada, ele virou o rosto para mim e passados poucos segundos, vi os seus olhos de safira a abrirem-se muito, de espanto. Não disse nada, mas eu sei o que ele pensou. Engoli em seco, contendo as lágrimas ao máximo, e fechei a porta. Depois aproximei-me lentamente dele.
            - Chris… preciso de falar contigo…
            Foi como se, ao ouvir a minha voz, ele mudasse radicalmente. A expressão de espanto no seu rosto foi substituída pela de raiva pura. Eu estaquei no meio do quarto, sem conseguir aproximar-me mais perante aquele olhar assassino.
            - O que fazes aqui? Não quero ver-te e muito menos falar contigo!
            As palavras atingiram-me como uma facada no peito, tão forte e impossível de rejeitar que me senti a desfalecer. Só com muito esforço me consegui manter de pé. A fúria nos seus olhos era tão forte que me fez recuar uns passos.
            - Por favor… tens de me deixar explicar…
            - Explicar o quê?! Queres encontrar uma justificação para me teres traído?! - Gritou ele, cerrando as mãos em punhos.
            O meu queixo descaiu-se de surpresa e eu não fui capaz de dizer mais nada. Traí-lo? Como? Com quem?
            - O quê?! Eu não te traí!
            Chris estava ao ponto de me querer matar. Eu sentia isso. A fúria emanava dele como uma onda poderosíssima, que me fez pensar que seria mais seguro ir embora, para salvar a minha pele do seu ataque eminente.
            - COMO É QUE PODES SER TÃO CABRA, KIARA?!
            Foi de mais. Naquela altura, eu já não conseguia aguentar mais.
            Caí de joelhos no chão, em cima do seu tapete, e baixei a cabeça. Respirava com dificuldade, o meu peito estava comprimido pelo desespero e o nó na minha garganta era tão grande que me dificultava a tarefa de inspirar e expirar.
            Chris avançou até ficar mesmo à minha frente, mas não consegui levantar a cabeça para olhar para ele. Não tinha coragem para olhar novamente nos seus olhos.
            - Não fui eu. Foi a Kalissa. - Balbuciei.
            - Não mintas mais! Não és capaz de admitir os teus erros?!
            - Mas não fiz nada! A Kalissa esteve no controlo todo o dia de ontem! - Respondi, levantando a cabeça para olhar para ele.
            - Eu não acredito em ti.
            As lágrimas soltaram-se dos meus olhos. Eu sabia isso. Mesmo que ele não tivesse dito em voz alta eu podia ver nos seus olhos o ódio. Ele jamais acreditaria em mim.
            - Chris, por favor… eu estou a dizer a verdade.
            - Não. Tu és apenas demasiado cobarde para admitires que me traíste com o Ryan! És uma cabra mentirosa!
            Eu não sabia o que dizer. As lágrimas desciam-me pela face sem que eu as conseguisse (ou sequer tentasse) conter. Eu já não tinha forças para mais nada.
            Ryan?!
            - Não… não… não pode ser… - Murmurei, tão baixinho que Chris não pareceu ter-me ouvido.
            Ele virou-me costas e cruzou os braços, talvez para controlar os tremores que assolavam o seu corpo tal como o meu. Tornei a olhar para o chão, sem querer acreditar no que ele dissera.
            Então era por isso que ele e Ryan tinham lutado. Por minha causa.
            Brand estava certo. Eles tinham lutado por mim. Mas em que realidade tão má isso podia ser verdade?! Como é que eu podia ter traído o meu namorado com o meu melhor amigo?!
            - Chris… tens de me ouvir… não fui eu que fiz aquilo, eu juro! A Kalissa apoderou-se do meu corpo na noite de sexta-feira e fez-se passar por mim durante todo o dia!
            - Pára de mentir! - Rugiu ele.
            - Não estou a mentir…
            Estava a falar sozinha. Ele não ouvia nada do que eu dizia. Não valia a pena continuar a implorar. Por isso encontrei as minhas últimas forças e levantei-me, apoiando-me na cama. Quando me consegui pôr de pé, limpei as lágrimas e cravei o olhar desolado no seu.
            - Tu não acreditas em mim. Não confias em mim.
            - Claro que não.
            - Chris eu amo-te! Como é que podes pensar que te trairia, logo com o Ryan?! É impossível!
            - Não, não é. Eu vi-vos aos beijos, tal como a Sophie!
            Tapei a boca com a mão para abafar o grito de terror que queria soltar-se de dentro de mim. Oh não…
            - Eu não beijei o Ryan! Por amor de Deus, acredita em mim!
            - Nunca mais.
            Abanei a cabeça em negação. Tinha de haver uma maneira de o fazer acreditar em mim. Mas como?! Todos os factores estavam contra mim.
            - Achas mesmo que eu te trocaria pelo Ryan?!
            - Não. Tu és estúpida o suficiente para tentar namorar com os dois ao mesmo tempo!
            - Cala-te Chris, não vês o que estás para aí a dizer?! EU E O RYAN?! Então e tu? E a Sophie?
            - Ontem não quiseste saber dela para nada. Conseguiste estragar-lhe o aniversário da pior maneira.
            - Eu não fiz nada, foi a Kalissa! Não vês? Era a oportunidade perfeita para ela! Podia vingar-se de todas as discussões que tivera com a Sophie! Tu viste que elas lutaram no outro dia, na Sala de Convívio! A Kalissa não esquece as coisas, ela queria vingança, e aproveitou a melhor ocasião que encontrou, e logo da pior maneira! - Expliquei, gesticulando para o ar e soluçando tanto que mal conseguia respirar.
            - Pára de inventar desculpas. Por que não vais a correr para os braços do Ryan?! Não sei o que fazes aqui comigo.
            - O meu lugar é ao teu lado!
            - Não. Já não é.
            Recuei um pouco. Não havia mais nenhuma maneira de o convencer. Eu dera tudo por tudo. O meu coração batia apressadamente, como se soubesse que faltava pouco tempo para parar de uma vez por todas. Aquela sensação era muito pior do que a que eu sentira quando me tentara afogar. Morrer por vontade própria é muito mais fácil do que morrer por desgosto. E era isso que Chris estava a fazer: a matar-me, embora não admitisse.
            - Por favor… confia em mim… eu amo-te…
            - Cala-te. Não quero olhar mais para a tua cara. Sai daqui.
            - Mas…
            - SAI!
            Baixei o rosto e mais lágrimas se soltaram dos meus olhos. Tinha chegado o momento.
            Até era natural que Chris reagisse daquela maneira, e que não confiasse em mim. Mesmo que fosse difícil de aceitar, ele tinha a sua razão. Ele já tinha passado por tantos desgostos por minha causa, tinha sofrido tanto com tudo o que Kalissa lhe fazia, que podia já ter atingido o seu topo de compaixão. Ele estava farto de mim, das minhas esquisitices e da demónia que habitava no meu corpo. Limpei novamente as lágrimas. Eu não podia obrigá-lo a ficar novamente do meu lado, a perdoar-me mais uma vez, e lidar com as consequências dos actos da Kalissa. Ainda por cima, com a certeza que ela faria os possíveis e os impossíveis para voltar a magoá-lo. Eu não podia pedir-lhe isso. Chris não merecia tanto mal. E por o amar tanto quanto amava, com todo o meu coração e a minha alma… eu tinha de o deixar em paz. De uma vez por todas.
            Recuei dois passos, e quanto mais me afastava dele, mais o nó na minha garganta crescia e mais o meu coração se apertava de desespero. Mas era a melhor atitude a tomar. Talvez, dali a muito tempo, Chris tivesse recuperado e fosse capaz de me perdoar. Mas naquele momento eu não podia pedir-lhe que o fizesse.
            - Perdoa-me.
            - Não. Vai-te embora. Não voltes a olhar para mim. - Rosnou-me.
            Olhei uma última vez para ele. Os nossos olhos fundiram-se no momento derradeiro e vi os dele inundados de lágrimas. Por muito que lhe custasse o que estava a fazer, ele achava que era a melhor decisão. E eu não podia continuar a lutar contra ela.
            - Amo-te.
            Ele virou-me a cara e eu não consegui aguentar mais tempo. Saí do quarto e fechei a porta. Comecei a percorrer lentamente o corredor, sem pensar no que iria fazer. Não conseguia pensar. A única coisa que me era permitido fazer naquele momento era chorar e morrer aos poucos e poucos, silenciosamente.
            Quando estava quase a chegar ao corredor dos dormitórios femininos, tropecei nos meus próprios pés e caí ao chão. E nem tentei levantar-me. Fiquei ali, caída, e limitei-me a fechar os olhos.
            Estava na hora de eu parar de lutar.
            De que valia continuar a sofrer? Há quase cinco meses que eu lutava todos os dias. As minhas forças tinham chegado ao limite. Chris não ia perdoar-me, Sophie e Niza odiar-me-iam para sempre, Peter e Ryan virar-me-iam as costas.
            Ryan…
            Desatei a chorar ainda mais. O meu melhor amigo estava contra mim. Como é que Chris podia pensar que eu o trocaria por Ryan? Ele era o meu talismã, a única pessoa capaz de me acalmar numa situação daquelas. Eu adorava-o, mas não o amava como ao Chris. O meu coração era todo do rapaz que o tinha destroçado violentamente.
            Enrolei-me numa bola e tapei a cara com as mãos.
            O pensamento que se formou na minha cabeça era muito forte. Demasiado potente. Não havia espaço para pensar em mais nada. E com um último suspiro, eu rendi-me.
            Kalissa, ganhaste. 

1 comentário:

  1. Coitada da Kiara! Essa Kalissa é mesmo uma demonia! rs
    o capitulo está ótimo, Jess!

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