segunda-feira, 4 de abril de 2011

Capítulo 10


Procurando Uma Solução






            Sentia-me estranha ao acordar. A dor de cabeça foi a razão do meu despertar. Virei-me lentamente na cama, tentando entender se me doía mais alguma parte do corpo, e descobri que era consumida por uma sensação de dormência bastante forte. Não me podia mexer muito porque era como se os meus músculos não me obedecessem. Pestanejei para focar a visão e tentei perceber onde estava.
            O dormitório de Brand, Drake e Allan.
            Olhei para a minha direita e vi Brand a dormir meio abraçado a mim. Contive um grito e fechei os olhos outra vez. E agora? Como é que eu saía dali sem o acordar? Não queria levar com uma nova cena de histerismo. Movi-me devagar e sem fazer barulho e consegui escapar ao seu braço forte e musculado, que me rodeava os ombros.
            Que dia seria aquele?
            Saí da cama e observei Drake a dormir na sua, quase a cair dela abaixo, com um ar tão aparvalhado que se eu não estivesse completamente em pânico teria desatado a rir. Apanhei o robe de seda preto que estava caído aos pés da cama de Brand e vesti-o rapidamente, tapando-me o mais que podia. Uma estranha sensação dizia-me que algo de mal tinha acontecido durante a minha ausência.
            Saí do quarto silenciosamente e conseguindo não acordar nenhum dos rapazes. O corredor estava vazio por isso atravessei-o quase a correr. Precisava desesperadamente de falar com Chris e entender o que raio tinha acontecido, quanto tempo tinha passado. Ao chegar ao quarto dele, bati à porta freneticamente e só passado muito tempo é que Peter veio abrir, com um ar ensonado.
            - K…
            - Sou a Kiara! - Interrompi-o bruscamente. - Posso entrar?
            - Claro! Ainda bem que já voltaste.
            Deu-me passagem para dentro do quarto. Chris e Ryan dormiam nas respectivas camas, profundamente como dois anjos. Peter fechou a porta e passou a mão pelo cabelo para lhe dar um ar menos despenteado.
            - Sabes que horas são? - Balbuciou ele, estremunhado.
            - Não… acabei de despertar.
            - Ah! Bem… ainda são cinco da manhã.
            Assenti com a cabeça. Era natural que eles ainda não estivessem acordados. Mas eu não conseguia esperar por saber o que tinha acontecido. Peguei na mão de Peter e cravei o olhar no seu com ansiedade.
            - Por favor… tens de me contar o que aconteceu.
            Peter desviou o olhar do meu e inclinou o queixo na direcção de Chris, que se mexeu no meio dos cobertores nesse momento.
            - É melhor ser ele a explicar. Chris, acorda meu!
            Chris pestanejou, assustado com o berro de Peter, e sentou-se rapidamente na cama ao ver-me ali. Os seus olhos arregalaram-se de espanto. Sorri-lhe timidamente.
            - Kiara?!
            Eu sentia-me pessimamente por ele me chamar daquela maneira, como se não me visse há séculos, como se temesse que eu fosse desaparecer, esvair-me em pó. Encaminhei-me para a sua cama e abracei-me a ele com todas as forças, escondendo a cara na curva do seu ombro quente. Chris rodeou o meu tronco com os seus braços musculados e apertou-me contra si com tanta força que eu quase não conseguia respirar.
            - Desculpa. - Sussurrei junto ao seu ouvido.
            - Shiiiu… deixa-me apreciar este momento… voltaste…
            A sua voz continha tanto desespero que eu engoli em seco, reprimindo a vontade de gritar. Ele acariciou-me os cabelos durante muito tempo e depois elevou o meu rosto à altura do seu para me poder beijar docemente.
            - O que aconteceu à tua boca?!
            Havia um estranho inchaço no lábio inferior dele. Cravei os meus olhos nos seus e Chris pareceu ficar mais irritado, como se tocar naquele assunto não fosse do seu agrado.
            - Aconteceu uma… coisa, enquanto tu estiveste fora.
            Incentivei-o a continuar. Até ali eu já tinha chegado. O que me interessava era o que vinha a seguir, entender o que podia ter acontecido.
            - A Kalissa acordou na manhã do dia de Natal, e, bem… ela descobriu que eu tinha dormido no teu quarto… contigo.
            Não foi preciso ele dizer mais nada. O meu coração acelerou a sua marcha aterrorizada.
            Eu era capaz de imaginar a reacção de Kalissa. Era capaz de sentir a sua raiva dentro de mim. Ela tinha ficado furiosa quando descobrira que Chris tinha passado a noite de Natal comigo.
            - O que… é que… ela fez? - Gaguejei, quase em conseguir respirar.
            - Ela foi contar ao Brand. E ele passou-se, claro. E lutámos.
            Fiquei perplexa a olhar para Chris, sem conseguir mover um único músculo. O quê?! Eles tinham andando à luta? Por minha causa? Ou por Kalissa? E tudo isto tinha começado pela loucura daquela víbora. Quando os segundos iniciais do choque passaram, cerrei as mãos em punhos e senti os meus olhos a semicerrarem-se de raiva. Até Chris recuou um pouco perante aquela expressão.
            - Kiara…
            - Ela não tinha esse direito! - Berrei, furiosa.
            Levantei-me e reparei que tinha acordado Ryan com os meus gritos. Ele olhava-me, espantado, mas ao mesmo tempo aliviado por eu ter voltado.
            - Como é que ele se atreve?! Ela também dorme com o Brand e eu não te peço que combatas com ele! - Rugi.
            Sentia tanta raiva por Kalissa que se a tivesse à minha frente a matava com as minhas próprias mãos.
            - Acalma-te. Já passou.
            - Não, não passou Chris! Ainda não entendeste?! ELA VAI REPETIR ISTO QUANDO TU VOLTARES A DORMIR COMIGO!
            Não sei bem o porquê, mas Ryan e Peter saíram apressadamente do quarto, deixando-me a sós com Chris, e ainda bem que o fizeram. O meu namorado levantou-se e aproximou-se de mim, ficando ambos no meio do quarto. Eu tremia por todos os lados e não queria que ele me tocasse ainda, pois temia magoá-lo. Naquele momento estava tão furiosa que nem me lembraria de ser carinhosa com ele.
            - Mas Kiara…
            - Ela vai magoar-te! Eu sei que sim! - Rugi.
            Escondi o rosto entre as mãos trémulas e fechei os olhos com força. As lágrimas queriam soltar-se mas eu contive-as com todas as minhas forças.
            Estava a acontecer.
            Aquilo que eu mais temia acabaria por se revelar verdade. Kalissa ia magoar Chris mais ainda do que já tinha feito, arranjaria maneira de o virar contra mim. Eu tinha de evitar isso. Amava-o de mais para permitir que ela o atacasse daquela maneira. Mas como podia proteger o meu amor?
            Chris abraçou-me fortemente, apertando-me contra o seu peito nu e musculado, e eu desatei a chorar. Não era suficientemente forte. Nunca o seria. De que valia continuar a lutar?
            - Ela não se vai meter entre nós, prometo.
            Mas a sua promessa não era verdadeira e eu não podia confiar nela. Rodeei a cintura dele com os meus braços e permaneci junto a si durante quanto tempo pude. Não suportava separar-me dele. Era física e psicologicamente doloroso.
            - Mas não podemos voltar a… dormir os dois no teu quarto, pelo menos enquanto ela estiver tão forte.
            Levantei o rosto para o seu, os meus olhos a abrirem-se de horror. O quê? Os meus lábios entreabriram-se mas eu não fui capaz de dizer mais nada.
            - Oh não…
            - Tem calma, minha querida. - Chris beijou-me na testa com carinho. - É uma medida temporária, acredita. Vai tudo voltar a ficar bem, mas primeiro temos de derrotar a Kalissa.
            Eu queria dizer-lhe que sim, que íamos conseguir, mas não era verdade e eu jurara nunca mais lhe mentir.
            - Não vamos conseguir. - Murmurei, tão baixinho que receei que ele não tivesse ouvido.
            - O quê?
            - Não vamos. Será que não percebes, Chris?
            Recuei cinco passos, mantendo-me longe dele tanto quanto consegui. O meu corpo queria unir-se ao seu outra vez mas eu precisava de o fazer entender o mais cedo possível.
            - Ela é parte de mim. - Murmurei.
            Sei que Chris me levou a sério. Ficou de pé à minha frente, olhando-me novamente com desespero e angústia. E eu quis correr para os seus braços e chorar neles mas controlei-me.
            - Jamais nos conseguirás separar. Este corpo é de ambas. E eu não suporto… a ideia de ela te magoar. Por isso… não podemos mesmo dormir juntos outra vez. Talvez… nunca mais.
            As lágrimas desciam-me apressadamente pelo rosto. Chris também estava a entrar em choque. Limpei as lágrimas e inspirei fundo.
            - Desculpa.
            Depois saí do quarto a correr, sem olhar para trás. O meu coração parecia estar a partir-se em mil pedaços e eu sabia da única pessoa que me conseguiria ajudar a aguentar a dor.
            Ryan estava no quarto de Sophie e Niza e eu corri até lá. Quando entrei, as minhas duas amigas fitaram-me como se não acreditassem que eu tinha voltado. Depois Niza levantou-se apressadamente da sua cama e correu até mim, abraçando-me com força.
            - Oh Kiara! Finalmente! - Suspirou de alívio.
            Eu continuei abraçada a ela durante mais de dois minutos, a chorar sem parar. Precisava dela. Mais do que nunca. Niza tinha a dose certa de carinho maternal dentro dela para me conseguir reanimar do choque que eu estava a passar.
            - Ryan… o que é que ela tem? - Perguntou Sophie, preocupada.
            Niza puxou-me consigo até à minha cama e obrigou-me a sentar lá, mas permaneceu abraçada a mim. Por fim, eu deitei a cabeça no seu colo e continuei a chorar, enquanto ela me fazia festas no cabelo e me embalava.
            - Tem calma…
            Trocou um olhar amedrontado com Sophie, que também não estava a perceber nada daquela história. Ryan levantou-se da cama de Sophie e veio acocorar-se ao meu lado. Deu-me a mão com força e eu concentrei-me em deixar que ele me acalmasse.
            - Respira fundo Kiara. Estás a deixar a Niza e a Sophie assustadas.
            Fiz o que ele me pediu e consegui parar de chorar ao fim de algum tempo. Niza limpou as minhas lágrimas e tirou-me o cabelo do rosto.
            - Agora, com calma, explica-nos o que aconteceu.
            Inspirei fundo, tentando dar à minha voz um tom controlado.
            - Estive a falar com o Chris. E chegámos à conclusão que… é melhor ele não dormir comigo novamente. Porque… a Kalissa pode soltar-se nessa altura e magoá-lo mais ainda.
            - Mas Kiara…
            - Sophie, tem de ser. Eu não permito que ela torne a magoá-lo.
            Ela entendeu a veracidade da minha afirmação. Niza já tinha compreendido o porquê de eu estar tão triste. Abraçou-me novamente.
            - O Chris não está enervado contigo, e compreende a situação.
            - Mas eu não queria nada que isto fosse assim…
            - Nós sabemos. E vamos arranjar uma maneira de vencer a Kalissa.
            Suspirei. Também não podia mentir-lhes.
            - Não vamos conseguir. Ela está cada vez mais forte. E eu nem sei se conseguirei deixar as drogas porque ela agora começou a injectar-se, ao que parece. Está cada vez mais dependente.
            - Não interessa. Connosco ao teu lado ela não vencerá. - Disse Sophie, com uma determinação inabalável.
            Eu quis acreditar nela. Não podia deixar-me ir abaixo outra vez.
            Sentei-me na cama e limpei as lágrimas.
            - Que dia é hoje?
            - 31 de Dezembro. Logo à noite é a passagem de ano.
            Oh meu deus! Tanto tempo que tinha passado! Os meus olhos arregalaram-se de espanto.
            - OK… contem-me tudo o que ela tem andando a fazer. Por favor.
            Sophie, Niza e Ryan trocaram olhares intensos e depois viraram-se todos para mim e começaram a longa explicação.


            Quando eles acabaram de explicar o que Kalissa tinha andando a fazer, eu soube que precisava de falar com o meu padrinho o mais depressa possível. Por isso deixei que Niza e Sophie tomassem banho e se arranjassem para irem para as suas aulas e depois fui eu tomar um duche rápido e vestir roupa lavada. Quando fiquei pronta, segui para os aposentos de John, que me deu ordem de entrada assim que bati à porta.
            O seu escritório apresentava o mesmo ar organizado de sempre, e o meu padrinho estava sentado na sua grande poltrona. Quando me viu entrar, levantando-se rapidamente e ficou a olhar para mim com ar inquisitório. Fechei a porta e respirei fundo para arranjar coragem.
            - Sou a Kiara.
            Ele suspirou de alívio e aproximou-se de mim no seu passo altivo.
            - Estava com medo que não voltasses.
            Abraçou-me fortemente por uns momentos e depois recuou dois passos, permanecendo a olhar fundo nos meus olhos.
            - Como te sentes?
            - Mais ou menos. Dói-me o corpo todo porque ainda não tomei a dose de hoje mas… acho que me vou aguentar.   
            Ele assentiu com a cabeça.
            - Eu queria falar contigo sobre esse mesmo assunto. Vem, senta-te aqui. - Alertou ele, indicando a cadeira onde queria que eu me instalasse.
            Fui até lá e esperei que ele se sentasse no seu cadeirão antes de voltar à conversa comigo.
            - Agora, Kiara… preciso de saber se já estás ao corrente do que aconteceu nestes últimos 5 dias.
            - Sim, os meus amigos já me contaram. - Murmurei, sentindo-me a corar de vergonha.
            - Pois. Eu tive de castigar o Brandon, o Drake, o Allan, o Chris, o Ryan e o Peter, como espero que compreendas.
            - Sim, mas… - Havia ali um dado que não batia certo, e John apercebeu-se de eu ter chegado a essa conclusão. - A Kalissa não reclamou por estar a castigar o Brand e os outros?
            - Sim, claro. Mas desta vez eu fiz-lhe frente. Disse que os expulsava se ela insistisse em como eles deviam ficar sem castigo. Ela não ficou muito contente mas pelo menos a luta não se repetiu e eles foram ao castigo nos primeiros dois dias.
            - Ah… estou mais descansada assim.
            - Mas esta situação não pode continuar. E eu espero que percebas que vamos ter de falar na tua… relação com o Chris.
            Pois. Eu também já esperava isso, mas não evitou que corasse imenso, até sentir as maçãs do rosto a queimar de constrangimento. Baixei o olhar para as calças e inspirei fundo.
            - Sim, eu sei disso.
            - Eu não me oponho a que namores com ele, mas…
            - John, eu sei o que me vai dizer. Mas eu não cheguei a ir para a cama com o Chris, OK? Ele dormiu no meu quarto mas não aconteceu mais nada. - Apressei-me a explicar.
            A expressão de alívio no rosto do meu padrinho deixou-me mais calma.
            - Eu estava com medo que tivesse chegado a esse ponto.
            - Não! Claro que não! - Exclamei, chocada. - John, eu só tenho 16 anos! Não sou assim tão maluca!
            - Não quis dizer isso. - Respondeu ele, apreensivamente.
            Ficámos a olhar um para o outro durante muito tempo, e eu tinha receio de dizer mais alguma coisa. Não queria nada que ele ficasse com aquela ideia a meu respeito. Aliás, Kalissa era muito mais galdéria que eu.
            - John… eu não vou fazer sexo com o Chris ainda, esteja descansado.
            Ele sorriu paternalmente.
            - Desculpa. Não quis chamar-te isso. Nunca foi minha intenção ofender-te, querida.
            - Sim, eu sei.
            - Mas tenta compreender, para alguém na minha posição, é sempre um pouco complicado lidar com estes assuntos.
            - Eu compreendo. Mas pode estar descansado quanto a mim e ao Chris. - Depois respirei fundo para desfazer o nó que me tinha surgido na garganta ao pronunciar o nome dele. - Aliás, nós vamos manter-nos mais… afastados daqui em diante.
            - Ai sim? Mas… vocês estão bem? - John estava mesmo preocupado comigo.
            - Mais ou menos. Na verdade a ideia foi minha. É que eu… não quero deixar que a Kalissa o magoe novamente. Não vou permitir isso.
            John assentiu com a cabeça.
            - É uma decisão muito sensata.
            - Obrigada por concordar comigo.
            - Claro que sim. Eu não quero mais cenas como as que tivemos no dia de Natal.
            - Eu peço desculpa… não sei como ela se conseguiu soltar…
            - Não te culpes por isso. Mas agora que este assunto de ti e do Chris já está tratado, vamos passar ao seguinte.
            Sorri, agradecida por ele entender que aquele era um ponto realmente constrangedor para falar com um adulto, ainda por cima com John.
            - Eu estive a falar com um amigo meu, que é médico, e ele explicou-me que podes começar a tomar umas drogas alternativas para poderes deixar as que estás a tomar neste momento.
            Fiquei admirada com aquele início de tema. John continuou ao ver que tinha captado a minha atenção.
            - Essas "drogas alternativas", podes chamar-lhes assim se quiseres, são difíceis de arranjar mas graças a alguns dos meus contactos, posso trazer-te as que precisares até seres capaz de largas as que tomas agora.
            - Eu ficar-lhe-ia tão agradecida… tenho a certeza que me vai ajudar!
            - Eu também. Vou mandar entregar umas quantas doses aqui no colégio. Mas Kiara… não vai ser um processo fácil. Preciso que me prometas que tentas mesmo deixar de te injectar e de tomar os comprimidos.
            - Eu vou fazer isso. O meu único medo é chegar ao ponto da última tentativa… e ficar demasiado fraca para aguentar a força da Kalissa.
            - Não te deixo chegar até lá. Acredita em mim.
            Sorri, sentindo-me mais descansada. Desde que eu mantivesse Kalissa sossegada no fundo da minha mente, conseguiria lidar com tudo o que restasse. Levantei-me.
            - Obrigada por tudo.
            - O meu dever é proteger-te. - Respondeu John serenamente.
            Assenti com a cabeça e depois virei-me e saí dos seus aposentos. Atravessei o corredor e desci a escadaria, dirigindo-me ao salão de refeições. Talvez ainda fosse a tempo de apanhar o meu grupo antes de eles partirem para as aulas.
            Quando cheguei ao refeitório, a maioria dos alunos estava a ir-se embora. Niza e Sophie chegaram junto a mim nesse instante e sorriram-me encorajadoramente.
            Chris aproximou-se. Senti o coração a diminuir de tamanho mas mantive-me quieta no meu lugar. O meu namorado sorriu-me apaixonadamente e chegou-se mais perto de mim, agarrando o meu rosto entre as suas mãos e aproximando-o do seu.
            - O Ryan falou comigo. Está tudo bem.
            Sorri e beijei-o. No acordo estava bem explícito que apenas não poderíamos dormir juntos, pois Kalissa conseguia soltar-se melhor enquanto eu estava a dormir. No entanto, todo o contacto diurno ainda era permitido. Rodeei os ombros de Chris com os meus braços e pus-me em bicos de pés para conseguir que a minha cabeça ficasse ao nível da sua.
            Tive de recuar segundos depois, ao começar a sentir-me tonta. Chris soltou uma gargalhada divertida ao ver o meu estado.
            - Vai para as aulas. - Suspirei, abraçando-o.
            - Não podes vir connosco?
            - Ainda não. Depois conto-te a conversa com o meu padrinho, prometo.
            Ele beijou-me outra vez e depois deixei que Peter o rebocasse até à aula. Suspirei e dirigi-me à mesa do buffet para ir buscar as minhas waffles com chocolate quente. De repente, Brand surgiu ao meu lado, com um ar preocupado.
            - Kiara…
            - Bom-dia. - Desejei, com algum medo da sua reacção.
            - Estás bem?
            - Sim.
            Ele revirou os olhos e passou a mão pelo cabelo.
            - Houve, eu sei que esta situação não é fácil para ti… e desculpa por ter desaparecido sem mais nem menos do teu quarto. - Expliquei-lhe.
            - OK. Eu já sabia que vocês tinham mudado, quando acordei e não vi a Kalissa ao meu lado.
            - Pois. Mas Brand… eu já soube o que aconteceu entre ti e o Chris no dia de Natal.
            Os seus olhos cor de chocolate semicerraram-se de frustração.
            - Temos mesmo de falar nisso?
            - Sim! Como é que foste capaz de fazer aquilo?!
            - Kiara… eu tentei controlar-me durante uns tempos… mas ele não tem o direito de ir para a cama contigo!
            - Tem sim.
            Mas ao ver o seu rosto a contorcer-se de raiva, apressei-me a explicar o que realmente tinha acontecido.
            - Mas nós não chegámos realmente a fazer…
            - Ah! - Interrompeu-me ele, suspirando de alívio.
            Soltei uns estalidos com a língua. Brand cada vez confirmava mais o estereotipo de "desportista de liceu" que eu tinha na minha cabeça.
            - Mas e se tivesse acontecido? Tu não tens nada a ver com isso.
            - Tenho sim! Esse corpo é o da minha namorada!
            - Então vou dar-te uma novidade, para o caso de ainda não te teres apercebido: este corpo também é meu e NÃO SOU A TUA NAMORADA!
            Brand recuou ao ouvir a fúria impressa na minha voz. Peguei no meu prato das waffles.
            - Espero que daqui em diante isso fique bem entendido. Não quero que hajam mais lutas entre ti e o Chris, ouviste bem?
            - Se ele tornar a deixar a Kalissa naquele estado… - Rosnou-me Brand, cerrando as mãos em punhos.
            - Qual estado?! Ela estava a fingir! Eu não estava lá e sou capaz de perceber toda a situação, e mesmo com ela a desenrolar-se diante dos teus olhos não és capaz de ver a verdade!
            Dei meia-volta e fui sentar-me sozinha.
            Brand saiu do salão com os Desportistas e as Raparigas da Claque. E eu comecei a comer sem querer pensar em mais nada.
            Nem conseguia acreditar que Kalissa o moldasse daquela maneira. Que ele fosse capaz de se derreter nas suas mãos como se fosse manteiga. Para o seu bem, ele tinha de tornar-se mais forte. Mas como é que eu podia convencê-lo a dar-me ouvidos? Eu devia ser a pessoa que ele mais odiava naquele momento.
            E depois apercebi-me que não tinha de me preocupar com ele. Brand não me era nada. E ele começara a namorar com Kalissa de livre vontade. Por isso, ele que tratasse dela à sua maneira.
            Nesse instante, apercebi-me de uma presença ao meu lado e virei-me. Espantei-me ao ver quem lá estava.
            - Posso sentar-me contigo?
            Fiquei demasiado chocada para falar, mas assenti com a cabeça e Mariah sentou-se nervosamente junto a mim, roendo as unhas sem parar e olhando à sua volta com medo no olhar.
            - Mariah?! - Perguntei, atónita.
            - Sim, sou eu.
            Ainda não conseguia perceber o que a levara a sentar-se ali ao meu lado. Era demasiado estranho para eu compreender.
            Mariah fixou aqueles olhos azuis deslavados e aterrorizados nos meus e engoliu em seco.
            - Eu já soube das… trocas de personalidade entre ti e a Kalissa.
            Deixei cair o garfo e este aterrou estridentemente na mesa, mas eu não deixei de olhar para ela. Como é que Mariah descobrira?
            - Como é que soubeste?
            - Bem, eu não sou totalmente burra, sabias? Tenho ouvido o teu nome e o dela, ditos muitas vezes pelos Desportistas e pelas Raparigas da Claque e já entendi a história toda.
            A minha necessidade interior de manter aquilo em segredo para o resto dos alunos do colégio despertou e fez-me agarrar nos ombros de Mariah com todas as minhas forças.
            - Ouve bem: não podes falar disso com ninguém!
            - Está descansada. Eu não conto o teu segredo a ninguém.
            Não sabia se podia confiar nela ou não mas pelo menos larguei-a. E de repente, um sorriso escarninho surgiu nos seus lábios e Mariah assumiu, por momentos, a expressão cruel que usava antes de ser destituída do cargo de Chefe da Claque. Por momentos, eu tive um vislumbre da antiga Mariah.
            - Mas tenho uma condição.
            Eu preparava-me para argumentar, mas ela antecipou-se.
            - Eu mantenho esta história em segredo… se me ajudares a recuperar o Brand.
            Fiquei de queixo caído ao ouvir o que ela disse. Ela estaria maluca?! Teria endoidecido de vez?!
            - Mariah… eu não posso…
            - Pensei que farias o que fosse preciso para proteger o segredo.
            - E faço! Mas isso não é possível! - Balbuciei.
            E se ela levasse a ameaça para a frente? E se fosse contar a toda a gente que eu e Kalissa morávamos no mesmo corpo? A maldade dela seria tão forte quanto a de Kalissa?
            - Não te atreverias a fazer isso… - Rosnei-lhe baixinho.
            Mariah suportou o meu olhar ameaçador com o mesmo sorriso convencido de antigamente. Afinal ela não estava tão mudada quanto toda a gente pensava.
            - Mariah, estou a avisar-te…
            - Isto é muito simples. Basta que me devolvas o Brand e eu não conto nada a ninguém.
            - Eu não posso devolver algo que não roubei!
            - Ele agora só quer saber da Kalissa.
            - E daí? Talvez devesses falar com ela e não comigo!
            E assim que eu disse aquilo, Mariah voltou a apresentar o ar amedrontado. Hum… ela tinha medo de Kalissa… mais do que eu julgara.
            - Eu não vou falar com ela.
            - Mas Mariah, eu não tenho qualquer poder sobre o Brand.
            - Mas podes convencê-lo! Tu tens armas suficientes para o fazer mudar de ideias e voltar para mim!
            - Não vou fazer isso.
            Ela suspirou dramaticamente e levantou-se.
            - Bem… então acho que o teu segredo deixará de o ser daqui a pouco tempo.
            Preparava-se para ir embora quando eu me levantei e a agarrei pelo braço, apertando-o com força e virei-a bruscamente para mim.
            - Pára quieta! Não vais fazer nada!
            Mariah sorriu-me maldosamente e apeteceu-me dar-lhe um estalo.
            - Ai não? E quem me proíbe? Tu?
            - Estou a avisar-te… se pensares em contar isto a alguém… faço com que sejas expulsa do colégio.
            Eu não queria usar aquele argumento, mas à falta de ameaças, tive de jogar sujo. Os olhos de Mariah arregalaram-se.
            - Não serias capaz de fazer isso…
            - Quanto é que queres apostar?
            Ela tentou libertar-se do meu braço mas eu mantive-a presa.
            - Tu não sabes com quem te estás a meter. Não sabes aquilo de que sou capaz para manter o meu segredo. E se queres continuar a estudar neste castelo, aconselho-te seriamente a ficar calada.      
            Larguei-lhe o braço e ela massajou-o, fazendo beicinho e recuando três passos.
            - Um dia vais arrepender-te por tudo isto.
            E desatou a correr para fora do salão de refeições. Suspirei e deixei-me cair de novo no banco. Apoiei a cabeça na mesa e fechei os olhos.
            Por que é que não posso ter um único minuto de sossego?!
            As coisas não podiam piorar. Já não bastava que Kalissa tivesse feito Brand lutar com Chris, agora eu também tinha de aturar Mariah. O que mais podia acontecer?


            Passei o dia enfiada na biblioteca a folhear um grande livro sobre drogas, e a procurar uma maneira de me tentar curar sozinha, enquanto as "drogas alternativas" de que John me tinha falado não chegavam. Perto da hora de almoço, comecei a sentir-me tonta, mas esforcei-me por não ir buscar comprimidos ao quarto de Brand. Eu tinha de ser mais forte que o vício.
            Quando se ouviu o sino para a hora de almoço, guardei o livro na estante respectiva e corri para fora da biblioteca, atravessando os corredores à minha velocidade máxima, para chegar ao refeitório antes do meu grupo. Quando passei pela porta, Chris e os outros estavam a sentar-se. Corri até eles e abracei o meu namorado, que ficou surpreendido com o meu entusiasmo.
            - Hei Kiara… pregaste-me cá um susto!
            - Desculpa. Estava cheia de saudades tuas.
            - Também tinha saudades tuas, meu amor.
            Beijou-me intensamente, mas antes que eu me pudesse entusiasmar, Niza começou a reclamar e a dizer que tinha fome e puxou-me consigo por um braço, levando-me até à mesa do buffet.
            - Então o que estiveste a fazer a manhã toda? - Perguntou, sorridente.
            - Estive na biblioteca… a ler.
            - Qualquer dia tornas-te na melhor amiga da bibliotecária. - Riu-se Sophie, aproximando-se para também se servir.
            Trouxemos a comida para a mesa e sentámo-nos junto aos rapazes.
            - Expliquem-me como estão a ser as aulas, por favor. Eu já sei que vou ter de repetir o ano mas não quero perder-me completamente.
            - Hum, pois é… então, em Espanhol começámos a ler aquele texto muito grande que falava sobre…
            E durante o resto do almoço, ouvi as suas explicações, tentando acompanhar-lhes o raciocínio. Quem falava mais era Niza, embora os outros também opinassem sobre um assunto ou outro. Quando terminámos de comer seguimos para a Sala de Convívio e fiquei a vê-los resolver os trabalhos de casa.
            - Kiara, achas que podes ajudar-me neste exercício? Tu sempre percebeste isto melhor que nós. - Pediu Ryan.
            Sentei-me ao seu lado e observei o exercício. Mesmo não tendo assistido às aulas, conseguia perceber mais ou menos do assunto e ajudei-o a resolver os problemas propostos.
            A hora que tinha para estar com eles passou a correr e quando ouvi o sino do castelo a indicar a entrada para as aulas da tarde deixei escapar um suspiro de lamento.
            - Não te preocupes, estamos de volta daqui a pouco tempo. - Sorriu-me Chris, curvando-se para me beijar.
            Envolvi-o nos meus braços durante uns segundos, aproveitando ao máximo o beijo, até ele recuar e seguir com Ryan e Peter para a aula. E eu segui novamente para a biblioteca, passando o resto da tarde a ler o tal livro sobre drogas.
            Quando tocou novamente um sorriso de alegria desenhou-se nos meus lábios e fez-me correr de volta ao meu quarto. Niza e Sophie estavam a chegar nesse momento, a tagarelar sobre qualquer coisa. Interromperam o diálogo quando eu cheguei mas nem me importei com isso.
            - Olá!
            - Oi Kiara! Como te sentes?
            - Não estou assim muito bem…
            E era verdade. Já me sentia demasiado zonza e doía-me grande parte do corpo. Precisava de tomar comprimidos o mais depressa possível. Sophie aproximou-se e pegou-me na mão.
            - Não podes forçar tanto. Devias tomar um ou dois comprimidos. Já aguentaste muito tempo sem drogas, o que é óptimo.
            - Achas mesmo?
            - Sim. O que importa é tentares reduzir as doses. E está a resultar.
            - Sim, isso é verdade… - Murmurei.
            - Eu concordo com a Sophie. Devias mesmo ir tomar qualquer coisa, para te poderes aguentar o resto da noite sem que a Kalissa se solte. Queremos passar o Ano Novo contigo e não com essa… demónia. - Sorriu Niza, aproximando-se.
            - Vocês têm razão. Eu vou ao quarto do Brand tomar uns comprimidos e já volto, está bem?
            - Sim, não demores.
            Elas entraram para o quarto e eu virei-me e segui pelo corredor fora. Brand ainda não devia ter chegado ao seu dormitório. Eu sentia-me esquisita por ir entrar lá, assim sem mais nem menos, sem convite nem nada parecido…
            Mas afinal de contas, aquele era o quarto de Kalissa. Encaminhei-me para lá e nem bati à porta. Entrei e deparei-me com o quarto vazio. Óptimo. Depois inspirei fundo para arranjar coragem e fui à gaveta da secretária deles. Lá estava uma saqueta de comprimidos. Tirei dois e fui à casa de banho encher um copo com água. Tomei os comprimidos e depois vi-me ao espelho. Tentei manter a calma. Eu ia conseguir derrotar Kalissa. Mesmo que demorasse muito tempo, eu tinha de ser capaz.
            Quando voltei para o quarto, no entanto, deparei-me com Brand, junto ao armário dele, em tronco nu. Recuei três passos com o choque de o ver ali, sem mais nem menos, e ele virou-se de frente para mim. Fiquei a olhar para ele sem saber o que dizer. Brand aproximou-se lentamente, com a confusão a dar-lhe um ar esquisito.
            - Kalissa?
            - Não… desculpa, sou a Kiara…
            - Ah… o que fazes aqui? - A desilusão brilhou nos seus olhos.
            - Tive de vir buscar comprimidos, desculpa… estava-me a sentir mal.
            - OK. Vais embora?
            Eu não sabia o que responder. O que podia ele querer que eu fizesse? Descolei-me da parede.
            - Sim. Vou passar a noite de Ano Novo com os meus amigos.
            - OK. Então… boa passagem.
            Virei-me mas entretanto decidi que não perdia nada em ser simpática para ele. Sorri-lhe.
            - Para ti também, Brand.
            Depois saí do quarto e preparei-me para uma boa noite de diversão, assim eu esperava.
            Quando cheguei ao meu quarto, Sophie e Niza estavam a arranjar-se para o jantar de cerimónia. Tomei um duche rápido e vesti-me o mais depressa que pude. Depois segui com elas para o salão de refeições, e sentámo-nos à espera dos rapazes. Eu sentia-me nervosa, ansiosa por que Chris chegasse, como se não aguentasse passar mais tempo longe dele.
            - Estás bem? - Perguntou-me Niza.
            - Sim… preciso do Chris.
            Ela soltou uma gargalhada alegre e depois voltou à conversa com Sophie. Chris, Ryan e Peter passaram pelas portas do refeitório nesse momento e o meu namorado dirigiu-me o meu sorriso preferido. Depois encaminhou-se lentamente até mim e envolveu-me nos seus braços musculados.
            - Agora estou muito melhor. - Murmurei.
            - O que se passava?
            - Tinha saudades tuas.
            - Mas estivemos juntos ainda há pouco tempo!
            - Não interessa. - Levantei o rosto para este ficar ao nível do seu. - Cada segundo que passo longe de ti é… tão doloroso.
            Ele sorriu adoravelmente e depois encostou os lábios aos meus.
            - Também te amo, minha querida.
            Depois levou-me consigo para a mesa do buffet onde Ryan e Sophie, Peter e Niza já estavam a servir-se. Trouxe a comida que queria e juntei-me ao meu grupo no jantar de passagem de ano. Conversámos, brindámos com champanhe - eu só esperava que o álcool misturado com a droga não me fizesse perder o controlo que eu tentei manter durante toda a noite - e rimos imenso. Foi uma das melhores noites que eu passei na Blackstone Private School. E depois do discurso do meu padrinho, segui com o meu grupo para a Sala de Convívio, e sentámos nos sofás a ver um filme que estava a passar. Aconcheguei-me nos braços de Chris e sorri.
            - Como te sentes agora? - Sussurrou ele junto ao meu ouvido.
            Não foi preciso pensar muito até arranjar a palavra perfeita:
            - Sinto-me… completa.






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