segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Capítulo 6


A Tentativa Inútil






            Por isso, eu estava decidida a deixar a droga.
            Quando saímos dos aposentos do meu padrinho, Chris levou-me para o meu quarto e fechou-se lá dentro comigo. Eu estava a sentir-me cansada. Precisava de descansar mas sabia que não o conseguiria fazer porque estava demasiado nervosa para isso. Chris foi fechar a janela e os cortinados espessos, e o quarto ficou mergulhado na escuridão. Depois veio deitar-se ao meu lado na minha cama e deixou-me aninhar nos seus braços. Fechei os olhos e inspirei o perfume delicioso do meu namorado.
            - Kia?
            Levantei o olhar e cravei-o em Chris, que parecia mais preocupado que antes, como se uma memória nova o tivesse alertado para o facto de talvez eu não conseguir deixar de me drogar.
            - Sim?
            - Como te sentes neste momento?
            Suspirei. Era difícil de explicar. Primeiro, via tudo desfocado e a única coisa nítida no ambiente que me rodeava era Chris. Só ele não se parecia com um borrão de tinta negro. Também era difícil pensar porque me doía a cabeça. E sentia um calor enorme, uma vontade gigantesca de me despir e de… dançar. Sim, apetecia-me dançar até cair para o lado. Aquilo não era nada normal. E ao mesmo tempo, sentia-me também muito cansada, como se o meu corpo não fosse capaz de suportar o meu peso.
            - Não muito bem. - Murmurei.
            Ele apertou-me contra o seu peito e beijou-me os cabelos.
            - Isto vai melhorar. Vais ver, quando deixares a droga tudo parecerá mais fácil.
            - Quem me dera que fosse assim…
            E depois fechei os olhos e deixei-me ficar em silêncio ao lado dele.
            As horas foram passando. Chris não parecia com vontade de sair dali e eu também não. Temia não ser capaz de me aguentar em pé se saísse, e nem queria pensar em ir às aulas. Se os professores me vissem naquele estado iam arranjar-me problemas.
            Mas pelo menos tinha a protecção de John. Ele não ia deixar que nada de mal me acontecesse. Se tivesse de repetir o 11º ano, tudo bem, eu só queria ficar ali naquele castelo. Quando saísse dali, tudo pareceria muito pior.
            Não sei ao certo quanto tempo passou, mas eu comecei a sentir-me pior. A dor de cabeça voltou, assim como os tremores. Eu tremia por todo o lado e suava loucamente como se estivesse a correr a maratona. Chris ficou preocupado com o meu estado.
            - Queres que te vá buscar alguma coisa?
            Eu mordia os lábios para não gritar de dores por isso abanei a cabeça em negação. Ele beijou-me docemente mas isso não ajudou a diminuir as dores. Eu sabia aquilo que me podia ajudar.
            - Vá lá, nem que seja um copo de água, eu vou buscar para ti! - Disse ele, quase em desespero.
            - Eu preciso… de droga… é apenas isso… - Gaguejei.
            Ele não sabia o que fazer, tal como eu. Limitou-se a ficar ao meu lado e a fazer-me festas no cabelo enquanto eu tremia por todos os lados, quase a convulsionar-me. Doía-me o corpo todo e mal conseguia ver com clareza.
            Precisava de comprimidos. Ou talvez de algo que actuasse mais depressa. Mas precisava de acabar com aquelas dores.
            - Chris? Como é que ela está?
            Eu não tinha notado a entrada de Niza, mas ouvi a sua voz muito próxima, e depois a mão fria dela pousou na minha testa escaldante e suada.
            - Oh não… ela estará com febre?!
            - Não. São os sintomas da tentativa de deixar a droga.
            E depois desisti de tentar perceber o que eles estavam a dizer, pois Chris deve ter-lhe começado a explicar a conversa que tivéramos com John. Assim que Niza ficasse ao corrente da situação, podia explicar à Sophie, ao Ryan e ao Peter. E tudo seria mais fácil. Chega de mentiras.
            Tremi dos pés à cabeça com um acesso de dor maior. Os meus olhos começaram a desfocar-se ainda mais. E depois não consegui aguentar mais: os meus lábios abriram-se e eu gritei com todas as minhas forças, tanto que parecia que a minha cabeça se ia abrir ao meio.
            - KIARA! KIARA TEM CALMA! - Berrava Niza, agarrando-me pelos braços e tentando fazer-me parar.
            Mas tudo era dor, não havia espaço para ouvir ninguém. Agarrei o lençol debaixo de mim com as mãos e apertei-o com força. O meu peito elevou-se com uma nova pontada de dor e senti algo dentro de mim a desfazer-se. Algo vital à minha sobrevivência, e que agora se estava a partir em mil pedacinhos, fazendo-me gritar mais ainda.
            A parede invisível que mantinha Kalissa longe do controlo.
            Deixei os meus sentidos fugirem de mim. Já não tinha como os aguentar. Era demasiado doloroso. Eu precisava de deixar que as trevas me levassem.
            - NÃO! KIA, FICA COMIGO, KIARA! - Gritou Chris, ao aperceber-se do que estava a acontecer.
            Mas eu mal o ouvi. Suspirei uma última vez e depois deixei Kalissa passar para o controlo.


         Eu sentia a energia a fluir dentro de mim e consegui fugir da prisão da Kiara. Quando cheguei ao controlo do meu corpo, senti umas dores terríveis. O que se estava a passar?! O que é que acontecera com o meu corpo, o que podia estar a provocar aquelas dores?
         Gritei com todas as minhas forças enquanto a dor de espalhava pelo meu corpo e chegava à minha cabeça. Abri os olhos e só consegui ver manchas e mais manchas desfocadas, que se foram tornando mais nítidas segundo a segundo. Tornei a gritar e depois umas mãos frias agarraram-me nos ombros e empurraram-nos para baixo. E eu tornei a gritar, tentando ver-me livre delas, mas elas não desapareciam.
         - CHRIS TEMOS DE FAZER ALGUMA COISA! - Ouvi gritar junto a mim, e soube logo que era Niza.
         Apeteceu-me bater-lhe para que ela me largasse. Por que raio é que me estava a agarrar?! Mas depois gritei mais ainda com as dores que me estavam a dilacerar.
         - O que se passa aqui?! 
         Aquela voz era nova mas eu não lhe dei importância. Continuei a gritar porque não havia alternativa: se gritava doía-me o corpo todo, se me mantinha calada doía mais ainda. Por isso mais valia demonstrar a minha dor, a minha raiva.
         Eu ia matar Kiara. Fazê-la pagar por aquilo. Qual era a ideia dela?!
         - Chame o Brand, por favor! - Ouvi Niza implorar ao dono da estranha voz.
         - Mas… ele vai dar-lhe droga…
         - Tem de ser! Ela não aguenta! - Rugiu Chris, furioso.
         Aaah… então era isso… Kiara estava a tentar uma cura para a droga.
         Juntei a raiva à dor e agitei-me, contorci-me, tentei escapar aos braços e mãos que pousavam sobre mim. Ninguém me dizia o fazer. Kiara não podia impedir-me de consumir droga. Nunca.
         - BRAND! - Vociferei, gritando o mais alto que pude.
         Agora eu via tudo mais claramente. Chris estava a tentar deitar-me de novo na cama e Niza chorava sem parar. A outra pessoa presente no quarto era o padrinho de Kiara, John, rodeado pelos seus dois guardas. Eu rugi-lhe furiosamente.
         - TRAGAM O BRAND! JÁ! - Berrei.
         John saiu do quarto num passo apressado e eu tentei levantar-me da cama, mas o meu corpo abanava-se com os tremores e eu caí ao chão, batendo com a cabeça.
         Mas eu ia ser mais forte. Não podia deixar que Kiara me vencesse. Eu ia aguentar até Brand trazer droga para mim e depois arranjaria maneira de me vingar de Chris e Niza.
         Ao ter caído, rebolei-me no tapete com as dores de cabeça e agarrei-a com ambas as mãos para tentar que ela se mantivesse unida. Porque agora não era apenas dor pela falta de droga que eu sentia. Era a própria Kiara a tentar soltar-se, a lutar contra mim, mas eu não a podia deixar vencer. Outra vez não!
         Nesse instante, Brand entrou no quarto e olhou-me, chocado.
         - AJUDA-ME! - Gritei, contorcendo-me.
         Ele assentiu com a cabeça e tornou a sair do quarto. O quê?! Para onde é que ele ia? Deixava-me ali a morrer? Tornei a gritar, chamei por Brand, mas foi Chris quem se lançou para junto de mim, tentando tirar-me as mãos da cabeça. Eu esmurrei-o com todas as forças que ainda conseguia reunir e consegui que se afastasse. Quando estava prestes a gritar outra vez, Brand entrou e ajoelhou-se junto a mim.
         - VOU AJUDAR-TE! MAS TENS DE CONFIAR EM MIM! PÁRA QUIETA! - Berrou ele, tentando fazer-se ouvir acima dos meus gritos.
         Acreditei nele, mas o meu corpo já não obedecia às minhas vontades e eu continuei a gritar e a tremer. No entanto, Brand conseguiu apanhar-me o braço esquerdo e puxou a manga da camisola para cima, até ao cotovelo. Eu tremia e gritava mais ainda e foi nesse instante que ele espetou a seringa do meu braço. Mas não acertou na veia e o sangue esguichou para fora. Os meus gritos ensurdeciam-me, davam-me a ideia de os tímpanos se estarem a romper, mas eu não conseguia parar. Era demasiada dor. Era insuportável. Finalmente, Brand encontrou a veia da parte interior do cotovelo e espetou lá a seringa com força. A droga entrou em mim como gelo líquido, fazendo-me gritar mais ainda.
         - Querida, vai ficar tudo bem, tem calma… - Pedia Brand.
         Debruçou-se sobre mim e beijou-me para me silenciar. Eu ainda me contorcia mas a dormência estava a atingir-me. Concentrei-me em beijar Brand. Parecia que as dores diminuíam um pouco. Mas as de cabeça eram ainda demasiado fortes.
         - Calma. Já está tudo bem. Estou aqui contigo, vai ficar tudo bem. - Sussurrou ele, fazendo-me festinhas no cabelo.
         Subitamente, as dores abrandaram. Deixei-me cair para trás no tapete - estava soerguida pela dor, e quando embati no chão a minha cabeça latejou imenso - e suspirei. Sim. Estava a passar. Era capaz de sentir a droga a correr nas minhas veias, extinguindo a dor, ajudando-me a respirar.
         Inspirei fundo e fechei os olhos, deixando a dor terminar por completo. Já me sentia muito melhor e mais forte. O alívio trespassou-me de alto a baixo.
         - Obrigada. - Murmurei para Brand.
         Ele curvou-se e beijou-me outra vez, docemente. Depois eu abri os olhos e vi o seu rosto preocupado, ansioso e quase desesperado. Olhei para trás dele e vi Niza, encolhida na cama, a chorar silenciosamente. E John, de pé junto à porta, sem qualquer esperança. E ainda havia alguém ao meu lado… alguém que estava tão preocupado ou mais ainda que o meu namorado.
         - Brand… larga-me se faz favor… - Sussurrei, com a voz controlada.
         Ele fez o que eu disse e recuou. Depois eu inspirei fundo, enchendo-me de coragem, e rodei sobre mim, lançando-me para cima de Chris, e deitando-o abaixo. Rodeei o seu pescoço com as minhas mãos e apertei-o o mais que podia.
         - COMO É QUE FOSTE CAPAZ DE FAZER AQUILO?! - Vociferei.
         Ignorei os braços fortes dele a tentar afastar-me, ou mesmo os gritos assustados de Niza e John. Tudo o que eu queria era matar aquele estúpido, que tinha apoiado Kiara na tentativa de deixar a droga. Chris conseguiu agarrar-me pelos cabelos e puxou-me para trás com força. Isso fez com que eu o largasse. Deitou-me abaixo e ficou sobre mim, enraivecido e desesperado ao mesmo tempo.
         - Pára com isto! Ouviste?! PÁRA!
         - Não! Não mandas em mim! Nem tu nem ninguém! - Rugi, debatendo-me contra o peso do seu corpo.
         Brand ajudou-me e afastou Chris de mim, lançando-o para o fundo do quarto. Eu pus-me de pé o mais depressa que pude, mantendo-me agachada, arfando com a dor dele me ter puxado os cabelos. A energia e a adrenalina corriam-me nas veias. Eu queria magoar Chris.
         - PAREM TODOS IMEDIATAMENTE! - Vociferou John.
         E de repente, uns braços fortes envolveram-me os braços e a cintura, mantendo-me parada, impossibilitando-me de me mexer para me lançar sobre Chris outra vez. Ele estava lá ao fundo, no escuro, mas senti-o a respirar com dificuldade. Os braços que me apertavam pertenciam a um dos guardas de John. Brand também tinha sido afastado pelo outro. E o padrinho de Kiara estava no meio do quarto, entre nós, com um ar furioso.
         Mas eu não queria saber dele. Estava a sentir-me mais forte. A minha visão ficava melhor a cada segundo. Eu consegui controlar as respirações e parecer mais calma. Quando os guardas e o director saíssem do quarto eu poderia dar cabo de Chris. E Brand iria ajudar-me, de certeza. Eu via o desejo de dar uma coça em Chris, fazendo os olhos do meu namorado flamejarem. Sorri-lhe.
         E depois tudo ficou negro como breu.


         Eu não conseguia respirar muito bem e o facto de não conseguir distinguir as formas e as cores estava a atrasar-me o processo de recuperação do controlo, mas eu sabia que ia conseguir. Jamais deixaria que Kalissa se mantivesse no poder durante mais tempo. Era extremamente obrigatório que eu fosse mais forte que ela, naquele momento.
            Havia algo a prender-me os braços atrás das costas. Tentei libertar-me e só nessa altura percebi que eram braços que me prendiam. Tentei ver o meu agressor e descobri que era um dos guardas do meu padrinho. Depois o meu olhar recaiu sobre John, parado à minha frente, com um ar muito preocupado.
            Mas não era aquilo que eu devia sentir. A dor já quase tinha desaparecido do meu corpo. E só havia uma explicação para isso…
            Rugi para Brand quando o vi parado de pé ao meu lado e ele espantou-se com a minha reacção violenta.
            - O QUE É QUE ME FIZESTE?! NÃO PODIAS TER-ME DADO DROGA!
            Todas as pessoas presentes na sala olharam para mim, chocadas, mas depois Niza levantou-se da cama e correu até mim, abraçando-me. Eu controlei a minha fúria para não a magoar e o guarda do meu padrinho largou-me, deixando-me abraçar a minha melhor amiga que chorava sem parar.
            - És tu, Kiara? Já voltaste?
            - Sim, sou eu.
            - Oh, ainda bem! - Suspirou ela, aliviada.
            Chris apareceu vindo das sombras e aproximou-se de mim. Só Brand se manteve à distância, e ainda bem que ele agiu dessa maneira, porque naquele momento eu queria desfazê-lo em mil pedaços.
            - Por que é que deixaste que ele me desse droga?! - Perguntei para Chris, e estava mesmo enervada quando disse aquilo.
            - Tu estavas tão mal que a Kalissa conseguiu recuperar o controlo! Foi ela que exigiu a droga. Não podemos lutar contra ela nessas condições. - Explicou Chris, desesperado.
            Suspirei. Realmente ele tinha razão. Eu teria de arranjar outra maneira de deixar a droga, porque se tentasse outra vez fazer o mesmo, o resultado seria igual.
            - Kiara, o que é que sentes neste momento? - Perguntou John.
            - Não há dor. Há apenas… raiva. - Flamejei Brand com os meus olhos e ele encolheu-se com a cólera espelhada neles.
            - Hum… o que aconteceu aqui foi demasiado intenso. E julgo que sabes que não podes repetir isto mais vezes.
            - Sim, eu tenho noção disso.
            - Ainda bem. Mas está descansada, vamos arranjar outra maneira de deixares a droga.
            - O quê? Ela vai deixar de se drogar? - Perguntou Brand, incrédulo.
            - Vou! E tu não vais atrever-te a voltar a dar-me droga, ouviste?! - Rosnei-lhe.
            - Mas a Kalissa…
            - A Kalissa não vai fazer nada se tu não lhe deres droga. Ou serás assim tão cobarde que nem consegues controlar a tua namorada?! - Vociferou Chris, apoiando-me.
            O seu apoio soube-me mesmo bem.
            - Na verdade, todos vocês vão deixar a droga. - Ralhou John, convicto.
            - Mas…
            - Brandon, tenho deixado isto passar sem dizer nada. Mas agora chega. Será que não vês o que está a acontecer à minha afilhada? Não vou deixar esta situação continuar. Tu e o teu grupo vão deixar a droga ou terão de sair do castelo.
            Era a primeira vez que eu ouvia alguém tratar Brand pelo nome verdadeiro, em vez do diminutivo, e isso fez com que ele ficasse mais calmo. Chris pegou na minha mão e entrelaçou os dedos nos meus, apaziguando-me.
            - OK. - Rosnou Brand, contrariado.
            - Vai chamar os Desportistas. Quero-vos a todos no meu gabinete daqui a dez minutos, entendeste?
            Brand fez uma careta de desagrado mas depois virou-se para ir embora. Antes de sair, olhou-me com raiva e depois passou pela porta. John suspirou, mais descansado, e olhou para mim.
            - Precisas de descansar.
            - Pode crer que sim.
            - Chris, deixa a Niza ficar com a Kiara. Vamos. Ela tem de dormir um bocado.
            Eu sentia que Chris não queria mesmo nada deixar-me naquele momento, mas nem lhe passou pela cabeça a ideia de contradizer o meu padrinho, por isso assentiu e curvou-se para encostar os lábios aos meus. Eu também não queria separar-me dele. Desejava que Chris ficasse ali ao meu lado o resto da noite para eu poder dormir em condições, mas não era mesmo provável que isso acontecesse.
            - Eu venho ver-te depois. - Segredou ele junto ao meu ouvido.
            Sorri e ele despediu-se de Niza, saindo do quarto. O meu padrinho fitou-me intensamente.  
            - Queres que mande trazer-te uma sopa aqui ao quarto?
            - Obrigada… acho que não fará mal…
            E para confirmar a minha afirmação, o meu estômago rugiu de fome. Niza riu-se e limpou as lágrimas pela última vez.
            - Vai tomar um duche rápido e eu aviso-te quando a sopa chegar. - Aconselhou-me.
            Agradeci-lhe e fui para a casa de banho enquanto John saía do quarto. Comecei a despir-me e depois entrei para a banheira. A água quente a correr-me pela pele soube mesmo bem. Aproveitei para lavar o cabelo e este ficou com o delicioso cheiro do meu champô. Depois saí, enrolei o corpo numa toalha e voltei para o quarto. Niza estava a tirar um pijama do meu roupeiro e colocou-o na minha cama. Sorriu ao ver-me entrar e parecia muito mais calma.
            - Como te sentes agora? - Perguntou-me.
            - Melhor. A sério, muito melhor.
            Fui à minha mesa-de-cabeceira buscar um conjunto de roupa interior e depois vesti o pijama. Enrolei o cabelo numa toalha para este não molhar as costas da camisola e sentei-me de pernas cruzadas em cima da cama. Niza sentou-se na sua cama, mas virada de frente para mim.
            - Niza… explicas-me o que aconteceu? É que eu… não sei o que a Kalissa fez quando recuperou o controlo.
            - Ah… - Ela não parecia nada desejosa de falar no assunto mas eu precisava de saber. Suspirou e começou a explicar. - Ela estava furiosa. A sério, nunca vi ninguém tão zangado quanto ela. Fartou-se de gritar e de chamar o Brand e quando ele chegou não se acalmou nem um pouco. Contorcia-se no chão como um peixe fora de água. E depois o Brand foi obrigado a injectar-lhe a droga directamente na…
            Ela soluçou e não foi capaz de continuar. Mas eu sabia que o que ela queria dizer. Olhei para a veia na parte interior do meu cotovelo esquerdo e vi lá a picada avermelhada na zona onde a seringa tinha sido espetada. Engoli em seco.
            - E depois disso?
            - Ela parou de gritar e parece que a dor diminuiu instantaneamente. Sabes, eu não percebo muito do assunto, mas o efeito foi bastante rápido.
            - Sim, porque a droga entrou logo na minha corrente sanguínea. Ou, neste caso, na da Kalissa.
            Niza assentiu com a cabeça, um pouco confusa, e continuou.
            - O Brand estava todo carinhoso com ela, preocupado de mais para o que é habitual. Nunca o vi assim tão desesperado. Ele e o Chris estavam a tentar acalmar-te e à Kalissa. E depois quando o Brand a largou ela virou-se e saltou para cima do Chris, deitou-o ao chão e começou a…
            - A quê? - Perguntei, ao ver que ela tinha parado de falar.
            Niza cravou os olhos cintilantes de lágrimas nos meus.
            - Ela tentou asfixiar o Chris.
            Levei as duas mãos ao pescoço e senti o medo a consumir-me. Oh não… Kalissa tinha mesmo feito aquilo?! Ao meu Chris?!
            Senti uma raiva hedionda por ela, mas sabia que não podia fazer nada. Era impossível tirá-la de dentro de mim.
            - Oh meu deus…
            - Depois o John conseguiu fazê-la parar, felizmente. Foi tudo muito rápido e muito violento…
            - Desculpa.
            - Não tens de pedir desculpa! Ela é que é a culpada de tudo isto!
            Niza tinha razão mas eu ainda achava que tinha alguma culpa no meio de tudo aquilo. Afinal de contas, se eu não tivesse tentado deixar a droga tão drasticamente, Kalissa não se tinha soltado. Deixei-me cair para trás na cama e suspirei, fechando os olhos.
            A minha vida é um Inferno.
            Passados menos de cinco minutos, ouvimos baterem na porta e Niza correu para a ir abrir. Era uma das empregadas do colégio e trazia um tabuleiro de cobre com uma grande taça cheia de sopa lá em cima. Niza aceitou a oferta e voltou para dentro, passando-me o tabuleiro para as mãos e indo fechar a porta, para depois voltar à sua cama e ficar a olhar para mim.
            A sopa cheirava bem e fez-me crescer água na boca. Peguei na colher e comecei a comer avidamente, como se não comesse nada há séculos. Niza esperou em silêncio que eu terminasse e depois coloquei o tabuleiro em cima da nossa secretária. Voltei à minha cama e sentei-me lá na mesma posição de antes.
            - Onde está a Sophie?
            - Deve estar no quarto dos rapazes. Sabes… ela era capaz de se ter passado se estivesse aqui… nem ela é forte o suficiente para se manter calma numa situação daquelas.
            Aquiesci e olhei para baixo, sentindo que tinha de terminar com aquilo custasse o que custasse.
            - Eu tenho de deixar a droga.
            - Pois… mas como é que vais fazer isso?
            - Não sei! Eu estava a tentar deixar só que… é impossível desta maneira. Talvez uma pessoa normal tivesse conseguido, mas eu não suporto isto, por causa da Kalissa. Quando eu fico demasiado fraca ela solta-se, e quantas mais vezes eu tentar deixar a droga desta maneira mais facilmente ela se libertará da minha prisão.
            Niza entendia o que eu queria dizer.
            - Achas que há alguma maneira de superares isto? Alguma alternativa?
            - Não me parece…
            Niza suspirou e levantou-se, aproximando-se da janela de braços cruzados. Ficou ali de pé, a olhar para a noite de luar lá fora, sem dizer mais nada. E eu soube logo aquilo que ela estava a sentir.
            Já era demasiado mau ter uma melhor amiga com um alter-ego conflituoso. Pior ainda era ter uma melhor amiga com um alter-ego conflituoso com dependência de droga.
            - Tenho de dormir. - Murmurei, e senti a cabeça a estalar pelo cansaço.
            Ela assentiu mas não se virou. Levantei-me para puxar o lençol e os cobertores para trás e enfiei-me na cama, desejando conseguir dormir em condições.
            Adormeci rapidamente e não sonhei. Na verdade, foi uma noite muito pacífica, ao contrário do dia terrível que eu tinha tido.

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